1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Opinião: Sentimento de alívio é o mais perigoso

31 de agosto de 2016

Baixar a guarda após a catarse do impeachment de Dilma Rousseff é a atitude mais arriscada que os brasileiros podem tomar neste momento, opina Francis França, editora-chefe da DW Brasil.

https://p.dw.com/p/1JsGA
Franca Tiebot Francis Kommentarbild App

O Senado Federal votou pelo afastamento definitivo de Dilma Rousseff, 36ª presidente da República, no segundo caso de impeachment na História do Brasil.

O desfecho ocorre nove meses após a abertura do processo, que seguiu o rito previsto na Constituição Federal, embora, no fundo, tenha sido apenas uma formalidade. O destino de Dilma Rousseff já havia sido selado no dia 17 de abril, naquela famigerada votação na Câmara dos Deputados.

E se ao longo do processo as provas contra a presidente afastada ficaram cada vez mais frágeis, cuidou-se para que, pelo menos na forma, o processo fosse impecável, para afastar as acusações de golpe. Os argumentos de defesa e acusação, porém, reverberaram no vazio, pois as convicções já haviam sido formadas.

"O processo é político", disseram os defensores do impeachment repetidas vezes. Ou "os senadores estão votando o conjunto da obra". O problema é que processos políticos não estão previstos na Constituição presidencialista, nem o conjunto da obra foi a julgamento. O fato de os Senadores terem votado por manter os direitos políticos de Dilma Rousseff, apesar de a terem afastado do cargo, evidencia a incoerência do processo.

Nada disso importou, porque o Senado encontrou respaldo na opinião pública. Não como no impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992, quando todos estavam contra o presidente. Dilma Rousseff ainda conseguiu manter o apoio de uma parcela da população e recebeu a chancela de diversos intelectuais ilustres.

Mas grande parte de uma população polarizada apoiou o impeachment. Mesmo sabendo que muitos dos que julgaram a presidente respondem a denúncias mais graves do que ela, a maioria dos brasileiros decidiu que os fins justificam os meios e que o mais importante é sair da crise. Uma crise financeira e econômica que foi fruto da lentidão do governo em encarar os problemas, combinada com as pautas-bomba que o Congresso lhe preparou. Dilma caiu na armadilha pelo descompasso crônico de seu governo perante os desafios que enfrentou.

E sem que as provas contra ela ficassem mais contundentes, Dilma foi perdendo respaldo. Já no início foi abandonada por parte de seus eleitores, que passaram a apoiar o impeachment. Ao final do processo, mesmo aqueles contrários ao impeachment não conseguiam imaginar a continuidade do governo Dilma. A única alternativa possível para seu retorno seria com o propósito de convocar novas eleições, uma ideia que ela, mais uma vez, abraçou tarde demais. E quando abraçou, seu próprio partido colocou uma pá de cal sobre o assunto: na véspera do início do julgamento, a cúpula do PT rejeitou a proposta por 14 votos a dois.

O PT certamente calculou que é muito melhor sacrificar Dilma agora e esperar pelas eleições presidenciais de 2018. Nesse meio tempo, aposta que seus adversários se desgastem. Por ironia do destino, o PT pode acabar ganhando mais com o impeachment de Dilma do que ganharia com a continuidade do governo dela.

E se alguém acha que alguma coisa mudou profundamente no Brasil, deveria saber que PT e PMDB – os arquirrivais do impeachment – fizeram alianças em nada menos que 200 cidades para as eleições municipais de outubro próximo.

Aliás, se há um aspecto positivo nessa crise em que o país se afundou, é o fato de o PT, após desperdiçar sua chance ao se envolver com o que há de pior na política brasileira, finalmente perder espaço para dar lugar a uma nova esquerda que possa contrabalançar com legitimidade a temerária onda de direita conservadora e religiosa que se alastra pelo Brasil dos anos 10.

Mas respirar aliviado após a catarse do afastamento de Dilma Rousseff é o sentimento mais perigoso que se pode ter neste momento. Primeiro porque um projeto neoliberal de governo que não foi chancelado por voto algum ditará os rumos do Brasil pelos próximos 28 meses. E, principalmente, porque o país continua nas mãos de dezenas de políticos investigados por corrupção, os quais já deram sinais de que farão o que estiver ao seu alcance para barrar o pacote anticorrupção no Congresso e as investigações da Operação Lava Jato. É preciso continuar atento.