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Literatura

Opinião: Um péssimo dia para a literatura

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Stefan Dege
14 de outubro de 2016

Bob Dylan é uma figura incrível, ícone pop, com enormes méritos na música e, mais ainda, em prol da cultura americana. Mas o Prêmio Nobel da Literatura ele não merecia – nem precisa dele, opina o jornalista Stefan Dege.

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Stefan Dege é jornalista da DW
Stefan Dege é jornalista da DW

O que foi que deu nos jurados de Estocolmo? Quem o Comitê do Nobel queria impressionar? Ao conceder o prêmio de literatura a Bob Dylan, o mais famoso cantor-autor da atualidade, ele homenageia um poeta que canta, em vez de um literato que escreve.

Uma surpresa pré-calculada, pura apelação, puxação de saco do fã clube do astro americano. Muitos exultam: finalmente Dylan! O que deixam de reconhecer é que, para a literatura, foi um péssimo dia.

Há anos, de fato, Bob Dylan está entre os aspirantes ao Nobel. Mas seu status de candidato permanente já bastava como tributo a ele e a sua obra musical.

Dylan é um letrista brilhante, que lançou um livro de prosa e uma autobiografia. E suas letras, sem dúvida, têm força poética. Mas quem pode negar que, sem a música, esses textos perdem muito de seu efeito? Dylan segue sendo um grande, importante músico. Mas, agora, quem recebeu a mais importante distinção da literatura foi um músico, não um autor! A literatura, em si, sai de mãos abanando. Estocolmo desperdiçou uma oportunidade.

Mesmo que alguns não queiram admitir: o mundo literário está de luto. Editoras, escritores, leitores, todos eles foram privados desse Nobel. Pois um Nobel da literatura pode ser muitas coisas: reconhecimento por uma obra literária, como no caso de Günter Grass; incentivo a autores corajosos como a bielorrussa Svetlana Alexievitch, em 2015; um sinal político, como no caso do chileno Pablo Neruda – ou simplesmente um farol em meio à infindável inundação de livros. A escolha de Bob Dylan parece, antes, um mal pensado prêmio de nostalgia.

O Comitê do Nobel tampouco fez um bom serviço à própria imagem. A atual escolha diz: "Não conseguimos encontrar nenhum escritor que fosse melhor do que esse músico-poeta." A literatura não merecia tal atestado de indigência!

Patética é também a alusão aos gregos antigos que recitavam os próprios textos cantando. Mais questionável ainda, o supostamente moderno, vago conceito de literatura que os jurados propagam. No entanto, justificativas à parte, uma letra de canção não é um poema, mas sim a letra de uma canção.

Se a intenção da Academia Sueca era renovar a literatura, por que não laureou a jovem autora americana Jennifer Egan, ganhadora do Pulitzer? Ou a nigeriana Teju Cole, a poeta canadense Anne Carson? Todas, grandes vozes do meio literário propriamente dito.

Por que o comitê não elegeu um escritor de um país em desenvolvimento, dos quais tão poucos, até hoje, contam entre os portadores do Nobel? Ou os jurados poderiam ter indicado um autor que alcança seu público literário principalmente pela internet.

Nada disso ocorreu. Em vez disso, quem agora sai com o Nobel da Literatura é um homem que nem sabe mais onde colocar tantos prêmios e homenagens. Uma coisa é certa: Bob Dylan não precisa de nenhum Prêmio Nobel da Literatura, mas a literatura precisa de um Prêmio Nobel.

A autora alemã Sybille Berg tuitou com ironia sobre a arbitrariedade da decisão em Estocolmo: "As chances de eu ganhar um Nobel da Física acabam de aumentar dramaticamente." Infelizmente, ela tem razão.