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Opinião: Uma questão de atitude

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Sarah Wiertz
10 de agosto de 2016

Mal o golfe voltou a ser incluído no programa olímpico, depois de 112 anos, e já é alvo de críticas. Porém o COI também tem sua culpa pela ausência dos principais campeões na Rio 2016, opina a jornalista Sarah Wiertz.

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Jornalista da DW, Sarah Wiertz

O esportista-modelo se transformou em bicho-papão: o golfista irlandês Rory McIlroy, que no momento ocupa a quarta posição no ranking mundial, falou mais do que devia. Depois de justificar oficialmente sua ausência nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro com o medo do vírus zika, o atleta de 27 anos declara agora que o golfe não tem importância ("Does not matter") nas Olimpíadas, e que ele não assistirá o torneio de golfe dos Jogos nem pela TV.

Isso foi pouco inteligente em três aspectos. Em primeiro lugar: após 112 anos de abstinência, o golfe acaba de reconquistar um posto no programa olímpico. Segundo: ao que tudo indica, McIlroy usa o medo pela saúde de outros colegas de equipe como pretexto – consta que, em vez de competir, ele voará com a namorada para as Bahamas, onde a ameaça do zika é pelo menos tão grande como no Rio. E terceiro: embora sendo um profissional de gabarito milionário, ele não entendeu a ideia olímpica.

À primeira vista, é fácil também aplicar essa última acusação a outros golfistas profissionais. Afinal, em nenhuma outra modalidade esportiva tantos atletas cancelaram sua participação como no golfe: cerca de 20, entre os quais os primeiros quatro do ranking mundial masculino.

Quase parece que a agenda deles está cheia demais e que os Jogos não são suficientemente lucrativos para eles. E é de admirar que praticamente nenhuma golfista tenha cancelado, apesar de o perigo imediato do zika ser bem maior para as mulheres do que para seus colegas. Além disso, está claro que os profissionais não têm o menor problema de jogar em outras regiões onde no momento o vírus também grassa.

"Vamos estar no inverno. Já hoje o risco de se infectar com o zika na Flórida é mais alto do que no Rio", explicou Mario Andrada, porta-voz do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos. Não há dúvida: o temor dos jovens esportistas de uma infecção é real e deve ser respeitado. Seria desejável o Comitê Olímpico Internacional (COI) ter abordado o tema de maneira mais enfática. O que torna ainda mais fatídica a declaração de Rory McIlroy neste contexto.

Para o golfe propriamente dito, os muitos cancelamentos no Rio são fatais. Pela primeira vez desde 1904, a modalidade esportiva tão frequentemente acusada de elitista consta mais uma vez no programa olímpico – para possivelmente já voltar a ser excluída dos próximos Jogos, em Tóquio.

O presidente do COI, Thomas Bach, já deixou vislumbrar que os numerosos cancelamentos por parte dos astros do esporte estão contando pontos negativos na avaliação para a continuação da participação olímpica da modalidade: "Isso não contribui para a atratividade do torneio de golfe", comentou.

Se aqueles golfistas que competirem no Rio trouxerem consigo essa atitude, maravilha. Tanto faz se no sorteio Dustin Johnson enfrenta Rory McIlroy ou se Tommy Fleetwood (153º no ranking mundial) compete com Kyounghoon Lee (258º). Importante é que seja uma competição honesta.

Ingenuidade? Não, trata-se puramente de uma questão de atitude. Mas é justamente essa atitude que se perdeu – no Comitê Olímpico Internacional, entre os esportistas, os espectadores, a mídia.

O grosso dos jornalistas praticamente só noticia sobre os vencedores, transforma-os em superastros – é isso que dá índices de audiência. A maioria dos espectadores só quer diversão passiva e espera de seus atletas um novo recorde atrás do outro.

Muitos atletas se aproveitam dos Jogos Olímpicos para finalmente alcançar reconhecimento midiático e dar impulso à própria marca. E o COI vergonhosamente transformou a festa do esporte num evento pomposo, do qual cabe espremer cada vez mais dinheiro – e tornou-se, assim, chantageável pelos patrocinadores, que vão ganhando cada vez mais ingerência.

Contudo é esse justamente o problema fundamental: os Jogos Olímpicos não precisam ser atraentes. O assunto não são os patrocinadores, o dinheiro dos direitos televisivos ou dos ingressos. Não se trata de recordes, de nomes. Trata-se apenas do prazer com uma modalidade esportiva e de uma filosofia de vida baseada na "alegria pelo esforço, o valor educacional do bom exemplo, da responsabilidade social, e o respeito por princípios éticos universais" – é o que consta da Carta Olímpica.

E os financiadores que antes queriam ver um Tiger Woods participando dos Jogos, querem agora, justamente, um Rory McIlroy. Ou um dos outros que estão no topo, como Jason Day, Dustin Johnson ou Jordan Spieth - superastros que eles financiam. É também devido aos nomes consagrados e aos patrocinadores de peso que o golfe foi incluído no programa olímpico – por prometer índices e dinheiro.

Antes mesmo da primeira tacada, o golfe já perdeu brilho olímpico. Só resta torcer para que o maior número possível dos profissionais que vão se apresentar no Rio demonstrem, com seu jogo e com sua atitude, que o golfe é uma modalidade esportiva fascinante, pela qual vale a pena lutar – de maneira honesta e transparente, nos campos e no COI.