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Oposição é afastada de cargos-chave na Câmara e vai ao STF

2 de fevereiro de 2021

Primeiro ato de Arthur Lira como presidente da Casa tira adversários políticos de postos de comando, em decisão classificada como autoritária e ilegal por bloco opositor.

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Arthur Lira (PP) celebra eleição como presidente da Câmara
Arthur Lira (PP), que contou com apoio de Bolsonaro, celebra eleição como presidente da CâmaraFoto: Adriano Machado/REUTERS

A decisão do novo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), de logo após assumir o cargo praticamente banir seus adversários políticos dos postos de comando da Casa gerou indignação entre a oposição, que vai levar o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A Câmara dos Deputados tem, além do presidente, outros seis cargos de comando: primeira e segunda vice-presidências, e primeira, segunda, terceira e quarta secretarias. É a chamada Mesa Diretora da Câmara.

Os postos não são irrelevantes: a eles cabem a direção dos trabalhos legislativos e administrativos da Câmara, além de algumas medidas políticas, como o encaminhamento de representações contra parlamentares.

O que Lira fez em seu primeiro ato como presidente da Casa foi tirar completamente da Mesa Diretora ou rebaixar os dez partidos que formaram o bloco de apoio a seu adversário na disputa pela chefia da Câmara - PT, MDB, PSDB, PSB, PDT, Solidariedade, PCdoB, Cidadania, PV e Rede.

O PT, por exemplo, detentor da maior bancada da Câmara, foi do terceiro posto mais importante, a primeira secretaria, para o último, a quarta secretaria. Já PSDB e Rede perderam os cargos a que teriam direito (segunda e quarta secretarias).

Na prática, o presidente da Câmara anulou a eleição para os demais cargos da Mesa, que havia ocorrido junto com a votação que o elegeu na noite de segunda-feira. Uma nova eleição foi convocada por Lira para esta terça-feira (02/02).

"Os partidos que se uniram em torno da defesa de uma Câmara livre e independente repudiam, com a mais intensa veemência, o ato autoritário, antirregimental e ilegal praticado pelo deputado Arthur Lira", disseram em nota os partidos do bloco de Baleia Rossi (MDB-SP).

"A eleição é una: não se pode aceitar só a parte que interessa. Ao assim agir, afrontando as regras mais básicas de uma eleição - não mudar suas regras após a sua realização -, o referido deputado coloca em sério risco a governabilidade da Casa", complementa o comunicado.

A manobra de Lira

Lira conseguiu afastar adversários e beneficiar partidos aliados ao indeferir o registro de candidatura do bloco de Baleia Rossi, seu concorrente na disputa pela presidência pela Câmara. O registro já havia obtido o aval do antecessor de Lira no comando da Casa, Rodrigo Maia.

A alegação do presidente da Câmara é de que o PT perdeu, por seis minutos, o prazo estipulado para registrar no sistema seu apoio a Baleia. A exclusão do partido esquerdista, contrariando o aval que já havia sido dado por Maia, gerou uma mudança na correlação de forças na Mesa Diretora.

Isso porque os seis cargos da Mesa são distribuídos de acordo com o tamanho de cada bloco. E, sem o PT, o bloco de Baleia só terá direito à última vaga. O de Lira, por sua vez, ficará com as cinco primeiras. Estas serão distribuídas a partidos de seu bloco, formado majoritariamente pelo chamado "Centrão".

O PT contesta a decisão, com o argumento de que um problema no sistema o impediu de cumprir o prazo.

"Primeiro ato de Arthur Lira foi dar um golpe na oposição para mandar na Mesa da Câmara. Violência contra a democracia", escreveu no Twitter Gleisi Hoffmann, presidente do PT.   

O líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon, afirmou que os partidos que apoiaram a candidatura de Baleia Rossi ficaram sobressaltados com o ato "autoritário, antirregimental e ilegal" de Lira.

"Se continuar neste caminho, [Lira] comprometerá a governabilidade da Casa e perderá qualquer condição de presidir esta Casa", disse. "Nós não aceitamos esse ato. Os partidos irão, conjuntamente, ao Supremo Tribunal Federal."

Apesar de não fazer parte do bloco que apoiou Baleia, o Psol sinalizou que também deve aderir à ação no STF.

"Um presidente não pode pegar a caneta e retroagir a atos anteriores e ainda dificultar qualquer bloco, é obviamente um prenúncio do que virá", disse a deputada Fernanda Melchionna (RS), vice-líder do Psol.

Lira, membro notório do "Centrão"

Arthur Lira, o novo presidente da Câmara, é um membro notório do Centrão do Congresso, bloco informal que reúne políticos sem bandeiras ideológicas definidas e que se alinham com governos de diversas matizes de acordo com a ocasião, não tanto pelas pautas, mas pela defesa de interesses pessoais, seja com a indicação de cargos ou na busca por verbas.

Na Câmara desde 2011, Lira integrou o grupo do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha - que hoje cumpre pena - e ganhou projeção no processo de impeachment de Dilma Rousseff em 2016. 

Assim como outros membros do PP, partido que colecionou escândalos nas últimas décadas e que tem a distinção de ter o maior número de investigados no Petrolão, Lira tem sua fatia de problemas com a Justiça. Ele é réu no Supremo por suspeita de integrar uma organização criminosa e é investigado por ter supostamente recebido propinas. Ainda chegou a ser alvo de uma ação movida por sua ex-mulher, que o acusou de violência doméstica.

Ao contrário de Maia e Baleia Rossi, Lira se aproximou ainda mais do Planalto nos últimos meses. No início de janeiro, Rossi parecia estar caminhando para vencer a disputa, mas a aproximação de Lira com o Planalto acabou rendendo frutos na forma de cargos no governo e liberação de vultosas emendas parlamentares - que já totalizaram R$ 3 bilhões - para aliados, provocando fissuras nos membros do Centrão que haviam se alinhando com o grupo de Maia.

Mesmo para os padrões do Congresso brasileiro, o uso de emendas em tal escala para cooptar deputados foi espantoso. Em pleitos anteriores, investidas tão diretas do Planalto na escolha do presidente da Câmara acabaram tendo efeito adverso, com a vitória de figuras hostis ao governo que se elegeram com discursos de "independência", como no caso de Eduardo Cunha, em 2015, e Severino Cavalcanti, dez anos antes.

Mas, no caso do presidente Jair Bolsonaro, a ofensiva acabou rendendo frutos. 

rpr/lf (ots)