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Os EUA no Iraque: por um mundo melhor?

av5 de abril de 2003

Vingança, sede de petróleo e do poder? Numa análise, o redator da DW Hanno Murena rejeita essa interpretação, evocando uma compulsão messiânica, arraigada na história norte-americana: a missão de criar um mundo melhor.

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Democracia à moda de Bush: o Iraque sob bandeira norte-americanaFoto: AP

Por que os Estados Unidos abriram esta guerra contra o Iraque? A resposta não pode ser apenas o atentado terrorista contra o World Trade Center em 11 de setembro de 2001, e muito menos a sede de poder imperialista dos norte-americanos. Nos últimos 60 anos – desde a Segunda Guerra Mundial, para sermos exatos – os EUA vêm executando uma contínua campanha militar, uma espécie de guerra das culturas.

Esta missão fundamenta-se na história da própria unificação do país e em sua Constituição de 1787, cujo preâmbulo proclama o intento de concretizar a justiça e "as bênçãos da liberdade". Esse preâmbulo também documenta o desejo de "formar uma União mais perfeita". É justamente esta formulação que conclama a uma missão: o ímpeto de construir e sempre aperfeiçoar, o anseio pelo bem, pelo melhor, pelo mais justo.

Na Constituição e nas emendas postas em vigor em 1791, a Bill of Rights, os Estados Unidos deram a medida do que consideram bom: soberania do povo, liberdade religiosa e de imprensa são coisas boas, assim como toda forma de liberdade, a tranqüilidade interna, justiça, bem-estar, a inviolabilidade da pessoa e da propriedade.

Benjamin Franklin
Benjamin Franklin, signatário da Constituição dos EUAFoto: AP

Boa é a participação do povo no desenrolar político e, por conseguinte, a co-responsabilidade de todos; boa é a descentralização do Estado – o princípio dos Estados federais –, a divisão e o controle dos poderes, assim como o compromisso da atual geração de assegurar tudo isso às vindouras. Ao garantir os direitos básicos, os EUA tornaram-se o primeiro Estado constitucional.

No geral, estes são os mesmos princípios políticos que, nos séculos 18 e 19, a Europa deduziu dos processos revolucionários. Estes princípios conduziram a direitos e deveres civis que consideramos a base das democracias ocidentais, a qual até hoje constitui o fundamento dos laços entre os Estados Unidos e a Europa.

O mundo dividido

De início, contudo, os norte-americanos se consideraram como um Estado republicano, mais moderno e politicamente mais progressista. Isso permitiu ao presidente James Monroe, em sua mensagem anual ao Congresso, ainda em 1823, afirmar que o sistema político do Velho Mundo distinguia-se essencialmente do americano. Nessa distinção anuncia-se já uma concepção que ajudará a entender melhor as futuras ações políticas da América em diversas partes do mundo.

Iraner wollen keine Achse des Bösen sein
Iranianos protestam contra a denominação "eixo do mal"Foto: AP

Os conceitos empregados pelos Estados Unidos contra outras nações, como "eixo do Mal" (Iraque, Irã, Coréia do Norte) e "Estados vilões", mas também seu contrário, a "coalizão dos dispostos", originam-se nessa distinção. Nos EUA, o reconhecimento da própria alteridade criou uma espécie de coesão interna, análoga à que sucedeu o ataque japonês a Pearl Harbour, em 1941, e o atentado terrorista contra o World Trade Center, em 11 de setembro de 2001 ("United we stand"). Na Europa fragmentada, tal atitude é mal-entendida e facilmente descartada como nacionalismo.

No tocante às relações exteriores, os Estados Unidos contemplam uma história de altos e baixos: por um lado, caloroso engajamento, por outro, reserva reticente ou mesmo isolamento auto-imposto – no sentido da "splendid isolation" britânica. Em decorrência da desintegração do poder das nações européias, nasceram conflitos no continente americano e nas regiões fronteiras. E logo ficou claro com que conseqüência os EUA perseguiam suas metas políticas: após a Guerra Hispano-Americana conseguiram, no Tratado de Paris de 1898, que Cuba – que tantos problemas lhes causará mais tarde – se tornasse uma república.

Já há 200 anos, os norte-americanos se empenhavam com veemência contra as restrições ao livre comércio. Na "Guerra contra Trípoli", no início do século 19, combateram a pirataria no Mar Mediterrâneo. No fim do século foi lançado The interest of American sea power, de Alfred T. Mahaus. Nessa época, com consciência missionária civilizadora, os EUA entraram "oficialmente" na política mundial ("Manifest Destiny") e logo seguiram-se conflitos com as potências européias. A América lutou contra a discriminação no comércio com a China ("Política da Porta Aberta") pela Grã-Bretanha, Alemanha, Rússia, França, Itália e Espanha, forçando o caminho para o livre comércio mundial.

Guardiães do mundo ou polícia planetária?

Os EUA também tornaram-se ativos no campo do Direito Internacional. No final da primeira década do século 20, fecharam acordos com 25 países, com a finalidade de entregar eventuais disputas ao Tribunal Permanente de Arbitragem, em Haia.

Após hesitação inicial, os Estados Unidos participaram da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), dando mais um passo no sentido do engajamento internacional. Em 1918, as tropas norte-americanas combateram pela primeira vez na Europa continental. Mais de 100 mil de seus soldados pereceram nessa guerra: o preço da missão na política mundial, que, a partir de então, os EUA estiveram prontos a pagar.

Embora, em reação, haja se seguido uma fase isolacionista – através das "leis de neutralidade" –, logo os americanos entrariam novamente em atrito com "as potências da Europa que perturbam a ordem". Ainda em 1933, o país rejeitara a ingerência em assuntos internos de outros, porém em 1937, no "discurso da quarentena", o presidente Franklin Delano Roosevelt se opôs expressamente ao isolamento e à abstinência na política internacional. Na Segunda Guerra Mundial, os EUA foram a potência que liderou os aliados no Ocidente.