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Os mortos solitários da Alemanha

Dana Scherle ca
25 de novembro de 2018

Especialmente em grandes cidades alemãs, há cada vez mais pessoas sendo enterradas sem parentes, nos chamados "funerais de ordem pública". Iniciativas chamam atenção para o problema, fruto de isolamento e pobreza.

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Foto de lápides conhecidas como "pedras de descanso" para mortos solitários em cemitério de Gelsenkirchen
"Pedras de descanso" lembram os mortos solitários em cemitério de GelsenkirchenFoto: Z. Hanussek

Ninguém sentiu falta dele. Só mais de oito meses depois, o corpo de um homem de 46 anos foi encontrado em seu apartamento em Gelsenkirchen, cidade da região do Vale do Ruhr.

Quando a pastora evangélica Zuzanna Hanussek fala sobre o assunto, sua costumeira voz viva e enérgica se torna muito mais baixa. "Fico chocada com o fato de mesmo vizinhos muitas vezes não perceberem nada ou serem completamente indiferentes. Há cada vez mais pessoas que desaparecem da nossa sociedade – sem que ninguém se interesse. Elas não recebem nenhuma atenção dos outros, e não apenas na morte, mas também em vida", afirmou à DW.

Sobre o homem solitário de Gelsenkirchen, Hanussek só sabe o nome e o endereço. Nenhum parente, nenhum amigo ou conhecido foi encontrado, nem mesmo os vizinhos souberam ou  quiseram dizer algo sobre o falecido. Para a pastora evangélica, esse foi mais um motivo para uma despedida digna: junto a um padre católico, ela depositou a urna com as cinzas no cemitério no bairro de Buer, em Gelsenkirchen – como parte de um "funeral de ordem pública".

Por trás desse seco termo burocrático, encontram-se outros destinos trágicos como esse. Trata-se de funerais financiados pelo Departamento de Ordem Pública (Ordnungsamt) do respectivo município, e não por familiares do falecido.

Segundo Stephan Neuser, secretário-geral da Federação de Agentes Funerários da Alemanha, não há estatísticas para todo o país sobre esse tipo de enterro. "Como mais de 81% dos agentes funerários alemães fazem parte de nossa federação, temos, no entanto, uma visão geral de que há cada vez mais funerais de ordem pública." Isso se aplica sobretudo a áreas metropolitanas, acrescentou.

A situação em Hamburgo, a segunda maior cidade da Alemanha, é particularmente surpreendente: de acordo com um levantamento dos cemitérios da cidade, o número de enterros de ordem pública mais que dobrou entre 2007 e 2017. Foram mais de 1.200 no ano passado.

A pedido da DW, a Secretaria de Saúde de Berlim informou que, também na capital alemã, o número dos chamados funerais de ordem pública aumentou, embora de forma menos drástica que em Hamburgo – de 1.979, em 2012, para 2.300 em 2016.

Uma estatística do Departamento de Ordem Pública de Colônia mostra uma tendência ascendente semelhante na maior cidade da Renânia do Norte-Vestfália: de 486 em 2007 para 636 no ano passado.

Isolamento e pobreza

"O aumento desses números deve-se em parte ao fato de que mais e mais pessoas chegam à velhice, mas muitas vezes são completamente sozinhas quando morrem", explicou Neuser. No entanto, ele também lembrou que os aspectos financeiros desempenham um papel muito maior do que no período anterior a 2004, quando os planos de saúde estatais arcavam com os custos de um funeral.

Parentes de primeiro grau são legalmente responsáveis pelos custos de funeral, embora familiares com renda muito baixa possam pedir que o Departamento de Bem-Estar Social (Sozialamt) assuma os custos. Trata-se então de um enterro social, e não de um funeral de ordem pública, explica Neuser.

Este último só ocorre se nenhum parente se apresentar dentro de certo período de tempo – ou se ninguém estiver disposto a assumir o serviço memorial. Os funerais de ordem pública são resultado do isolamento e da pobreza, aponta Hanussek.

Segundo a pastora, às vezes, famílias pobres evitam solicitar um enterro social, "porque as dificuldades são muitas, leva um pouco de tempo, e todas as declarações de renda precisam ser revistas". Nesse contexto, há também familiares que não têm condições de cuidar do funeral de uma pessoa falecida.

Cabe aos municípios decidirem se os mortos são enterrados anonimamente ou se pelo menos são lembrados com o nome nos funerais "burocráticos". Em Hamburgo, desde meados de 2014, há lápides para esses solitários falecidos, com nomes e dados biográficos.

No chamado Domingo dos Mortos, dia em que os luteranos lembram os entes falecidos na Alemanha e que neste ano é celebrado neste domingo (25/11), seus primeiros nomes são solenemente lidos na igreja de St. Petri, a principal de Hamburgo. Além disso, muitos dos agentes funerários que realizam serviços fúnebres de ordem pública organizam uma vez por ano eventos memoriais para os solitários falecidos, conta Neuser.

Em Gelsenkirchen, os nomes desses mortos são gravados sobre as chamadas "pedras de descanso" – mas os custos não são cobertos pelo município, mas pela Iniciativa Pedras de Descanso (Initiative Ruhesteine), cofundada por Zanussek e financiada por doações.

"Prestem atenção ao entorno em que vivem"

Pessoas dedicadas, como a pastora de Gelsenkirchen, cuidam para que os mortos solitários da Alemanha não sejam esquecidos. Nos sermões em memória desses falecidos, Hanussek e um colega católico não podem falar muito sobre os mortos, já que pouco se sabe sobre a vida deles. "Mas, nos nossos funerais e em outros cultos, nós apelamos para que cada vez mais pessoas prestem atenção ao entorno em que vivem", disse a religiosa.

Todos podem fazer algo para derrubar os muros do isolamento e evitar uma morte solitária, considera a pastora. Pode ser algo simples, como conversar com os vizinhos, exemplifica.

Para aproximar as pessoas, Hanussek lançou o projeto Nachbarn helfen Nachbarn (vizinhos ajudando vizinhos), em Gelsenkirchen.

"Na primeira fase, uma assistente social faz visitas regulares; na seguinte, os vizinhos são reunidos deliberadamente. Após se encontrarem algumas vezes, formam amizades, mas não fazem isso por conta própria", explica Hanussek.

Outro projeto que ela iniciou é uma cafeteria grátis, onde duas vezes por semana podem se encontrar pessoas que de outra forma não teriam recursos para frequentar um café.

"Só com isso não se pode salvar o mundo, mas é uma tentativa de ajudar as pessoas a saírem de seu isolamento ", conclui a pastora.

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