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Cúpula de Lisboa

18 de novembro de 2010

O encontro de cúpula da Otan na capital portuguesa marca o fim de uma estratégia militar ainda presa à Guerra Fria e promete preparar a aliança para desafios como o terrorismo, a ciberguerra e as ameaças nucleares.

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Cúpula marca mudança de política para o AfeganistãoFoto: picture-alliance/ dpa

Seja para conter a ameaça de um atentado terrorista, de um arsenal nuclear ou de um ataque cibernético contra importantes redes de dados, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) encara a necessidade de se adaptar às exigências militares do futuro.

Mais de 20 anos após a dissolução do bloco soviético e da ordem mundial marcada pela Guerra Fria, os 28 países-membros da Otan vão selar uma nova estratégia durante a cúpula que será realizada em Lisboa nesta sexta-feira (19/11) e sábado. A meta é tornar a aliança mais eficiente numa época de crise econômica, em que os orçamentos militares nacionais tendem a ser reduzidos.

Da estabilização regional ao combate de ameaças globais

Os três principais temas da cúpula serão a nova estratégia militar da organização, a operação militar no Afeganistão e a cooperação com a Rússia.

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Milhares de refugiados do Kosovo em acampamentos na Macedônia, em 1999Foto: dpa

A nova estratégia da Otan a ser aprovada em Lisboa deverá substituir as diretrizes seladas durante a cúpula de Washington, realizada em 1999, poucas semanas após o início da guerra no Kosovo.

Na época, a prioridade era viabilizar operações militares internacionais para estabilizar regiões em crise. Desde então, o foco da atenção se deslocou para outras eventuais ameaças, como o perigo de ataques nucleares por parte de países externos à aliança, como o Irã, de sabotagens cibernéticas ou de bloqueios de vias comerciais.

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Uma das torres do World Trade Center, em Nova York, desaba após atentado em 11 de setembro de 2001Foto: DPA

O princípio básico da estratégia continua sendo a defesa coletiva, conforme determina o artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte, assinado em 1949. Um ataque armado contra um ou mais países-membros da Otan é considerado automaticamente uma agressão à aliança como um todo. Até hoje, isso só foi posto em prática uma vez, após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos.

O secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, não exclui a possibilidade de estender esse artigo para ataques cibernéticos – uma proposta não consensual, rejeitada pela Alemanha, por exemplo.

Além disso, a Otan pretende criar parcerias ou intensificar a cooperação com organizações internacionais, como as Nações Unidas (ONU), a União Europeia (UE), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (Bird), além da colaboração com instâncias civis.

Escudo antimíssil na Europa

Outro importante consenso a ser selado em Lisboa toca o sistema antimíssil a ser instalado na Europa. Originariamente, os Estados Unidos pretendiam liderar essa iniciativa, estacionando componentes do planejado escudo antimíssil na Polônia e na República Tcheca.

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Plano do sistema de defesa antimíssil concebido pelos EUA na Europa Oriental

No entanto, a Rússia considerou esse plano um "atentado contra a segurança nacional", rejeitando sobretudo o radar para mísseis de longo alcance, por meio do qual as Tropas de Mísseis Estratégicos russas se tornariam transparentes para o Ocidente.

Em setembro do ano passado, os EUA desistiram desse plano inicial e concordaram em participar da criação de um escudo da Otan a partir das estruturas nacionais já existentes. Os custos desse sistema de defesa contra mísseis balísticos, a ser finalizado em 2020, são avaliados em 200 milhões de euros.

Transição militar no Afeganistão

A cúpula de Lisboa também vai iniciar o processo de encerramento da operação militar internacional no Afeganistão, que desde 2001 custou a vida de aproximadamente 2 mil soldados ocidentais. Até 2014, a responsabilidade pela segurança do país deverá ser transferida gradativamente para as forças militares afegãs.

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Forças internacionais combatem há 9 anos no AfeganistãoFoto: picture-alliance/ dpa

Isso não significa uma retirada total das tropas internacionais estacionadas no Afeganistão. A presença da Otan no país deverá se manter até as estruturas militares locais estarem preparadas para manter a estabilidade nacional.

Nesse sentido, a Otan terá um importante papel na ampliação e preparação das forças armadas e da polícia afegãs.

Rússia como interlocutora e parceira

Em Lisboa, onde também se reunirá o Conselho Otan-Rússia, a aliança pretende inaugurar uma nova fase de parceria com Moscou. Desde a guerra na Geórgia, em meados de 2008, as relações entre a Otan e a Rússia estiveram praticamente congeladas.

Na cúpula do ano passado, o país chegou a ser redesignado "parceiro estratégico" pela Otan, mas o diálogo voltou a ser prejudicado pelas divergências sobre o escudo antimíssil concebido pelos EUA.

Após Washington ter mudado sua estratégia em relação ao sistema de defesa europeu e ter convidado a Rússia a participar dessa cooperação internacional, a Otan espera poder tratar conjuntamente de problemas comuns, como a proteção das vias marítimas contra pirataria ou o narcotráfico provindo do Afeganistão, por exemplo.

Necessidade de se modernizar

Apesar da intenção de se preparar para ameaças globais, a Otan ainda está presa a estruturas ultrapassadas, conforme constata o especialista em segurança Roland Freudenstein, do Centro de Estudos Europeus, sediado em Bruxelas e ligado ao Partido Popular Europeu, uma legenda que reúne bancadas conservadoras no Parlamento da União Europeia: "A Otan está preparada somente para uma guerra convencional e para defesa contra ataques em seu próprio território. No entanto, esse tipo de ameaça já deixou de existir".

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Operações antipirataria da União Europeia nas vias marítimasFoto: DW

Para Freudenstein, a Otan ainda não tem um resposta estratégica satisfatória para muitas novas ameaças. Reverter isso implicaria mudanças para os soldados da aliança. "Vamos precisar de outros tipos de tropas, a serem interligadas com recursos e meios modernos de comunicação. As tropas têm que ser flexíveis e móveis. Precisamos de um exército profissional", argumentou Freundenstein em declaração à Deutsche Welle.

Consenso em aberto

A estratégia da Otan a ser aprovada em Lisboa ainda não é inteiramente consensual. Um dos pontos mais polêmicos é o orçamento do escudo antimíssil para a Europa, considerado dispendioso demais por diversos países. Além disso, ainda não está claro se a Rússia concordará em participar dessa iniciativa da aliança.

A Alemanha, que exige que a implementação do escudo de defesa no continente seja vinculada a um processo de desarmamento nuclear, tem resistência de importantes aliados, como os EUA e a França.

O secretário norte-americano da Defesa, Robert Gates, se opôs claramente à exigência alemã em outubro passado: "Não ouvi falar de nenhuma ligação entre o sistema antimíssil e o desarmamento nuclear. Muitos disseram até que, enquanto continuarmos vivendo em um mundo com armas atômicas, é importante que a Otan permaneça uma aliança com poderio nuclear".

A França também se recusa terminantemente a sacrificar suas armas nucleares, não apenas porque pretende manter sua habilidade de defesa, mas também pelo fato de isso implicar uma grande perda de prestígio. Ao que tudo indica, a meta de um mundo livre de armas atômicas, formulada pelo presidente norte-americano, Barack Obama, não terá impacto sobre a nova estratégia da Otan.

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Manobras com mísseis no Irã, em novembro de 2009Foto: picture-alliance/ dpa

Críticas a uma Otan superpoderosa

Há poucos dias, representantes de movimentos pacifistas criticaram a ampliação das competências da Otan, incluída na nova estratégia. "Não posso imaginar que os soldados da Otan consigam conter uma enchente em Bangladesh, por exemplo", declarou o diretor da Associação Internacional de Juristas contra Armas Nucleares (Ialana, na sigla em inglês), Reiner Braun. Para ele, desafios como a mudança do clima ou a escassez de recursos naturais não deveriam ser enfrentados pela Otan, mas sim pela política internacional e pelas Nações Unidas.

O político esquerdista alemão Wolfgang Gehrke também acha que o poderio militar não é o melhor meio de combater problemas como a proteção das vias comerciais ou o combate das correntes migratórias geradas pela mudança do clima.

O parlamentar verde Hans-Christian Ströbele, por sua vez, advertiu que a Otan não deveria se tornar "o instrumento de manutenção do superpoder econômico" dos países industrializados. Ele também rejeita a mobilização de soldados para a defesa de recursos naturais e exige que o governo alemão esclareça sua posição nesse sentido.

SL/dw/rtdt/dapd/afp
Revisão: Roselaine Wandscheer

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