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Pé na Praia: Dificuldades interculturais

Thomas Fischermann
6 de dezembro de 2017

O correspondente alemão Thomas Fischermann perguntou a consultoras internacionais que conselhos elas dão a estrangeiros que vão trabalhar no Brasil. "Quem tem de se adequar, o visitante corporativo ou os brasileiros?"

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Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

Na semana passada me deparei com dificuldades culturais de compreensão. Trato disso com frequência nesta coluna: mal-entendidos entre alemães e brasileiros fazem parte de meu campo como correspondente estrangeiro, e em geral não levo as coisas muito a sério. Mas na semana passada não deu para levar na brincadeira. Numa conversa com Addy e Simone, elas me explicaram que o assunto pode se tornar muito sério.

Tive uma videoconferência com as duas senhoras. Estava em meu escritório no Arpoador e simulava ter problemas com a câmera, para que Addy e Simone não vissem que tinha acabado de voltar da praia e estava usando uma camiseta nada apropriada. Simone, uma alemã que vive na França, estava viajando a trabalho pela Polônia. Aparecia na tela usando um pulôver de lã cinzenta, típico do inverno do leste europeu. Addy estava vestida de acordo, com um terninho de corte americano e look profissional. De Boston, ela participava da videoconferência.

As duas mulheres trabalham para uma firma de consultoria internacional de empresários, chamada Aperian, especializada em dificuldades de compreensão interculturais. Elas aconselham gerentes, engenheiros e outros profissionais ao se mudarem para outra cultura. Eu imaginava que houvesse algumas dificuldades de adaptação – mas com certeza nada sério. Já trabalhei como correspondente em diferentes locais como Londres, Mumbai, Nova York e Hamburgo, e nunca havia sido recebido de forma tão calorosa e solidária como neste posto atual, no Rio de Janeiro.

Mas para Addy e Simone parecia ser diferente, sobretudo quando o assunto são as mulheres. As duas me explicaram que existem gerentes, engenheiras e outras especialistas que vêm de uma empresa em Frankfurt ou Atlanta, por exemplo, e chegando ao Brasil primeiramente têm que superar crises profundas, podendo até ficar traumatizadas. Formas de interagir no cotidiano, que todos os brasileiros consideram normais, poderiam deixar as visitantes dos países mais frios profundamente inseguras: o tapinha familiar no ombro ou o toque no braço. O beijinho diário. Os elogios para penteados ou roupas, que no Brasil a gente recebe tanto de mulheres quanto de homens. Conversas sobre assuntos particulares como crianças e família, que no hemisfério norte guardamos mais para nós.

"Nós preparamos as mulheres quando se mudam, por exemplo, dos EUA para o Brasil", disse Addy com o olhar sério, "mas algumas vezes também é necessário que façamos uma intervenção mais tarde. Pode ocorrer que as mulheres se desloquem pelo local de trabalho totalmente inseguras e que nós tenhamos de ensiná-las que, na cultura brasileira, é natural haver muito contato, e que elas não devem ver tudo como ameaça".

Tudo bem. Eu sei que uma firma de consultoria precisa fazer os problemas parecerem muito grandes, para poder depois vender caro a solução. Videoconferências, visitas e a contratação de consultores locais, como coaches brasileiros. Eu mesmo tive minhas dificuldades de entendimento intercultural nesta videoconferência. Addy e Simone falavam de um mundo no qual um colega de trabalho deveria ser primeiramente "onboarded" e depois "developed". Se eles acabarem fazendo papel de bobos, são mandados para uma "long learning journey". Depois, eles falam uns com os outros, o que é chamado de "360-Degrees-Feedback". Nunca tive paciência para essa acrobacia verbal pomposa do mundo dos negócios.

Mas, por outro lado, eu aprendi que não se deve desprezar os problemas de outras pessoas, só porque nós mesmos não sofremos com eles. A firma para a qual as duas consultoras trabalham é uma das maiores do ramo e recebe pedidos de ajuda do mundo inteiro – sobretudo da América do Norte e do norte da Europa. "Há dois ou três anos, explodiu a demanda por esse tipo de auxílio", disse Simone.

Fez sentido para mim, pois não conheço um povo mais frio e distante em questões pessoais do que nós, alemães, seguidos naturalmente pelos dinamarqueses, belgas, holandeses, norte-americanos e outros mais. Para compensar isso, as grandes organizações multinacionais destes países dão a seus empregados regras detalhadas e bem intencionadas sobre como se relacionar em todo o mundo: separe o profissional do pessoal! Muito cuidado com discriminação! Com sexismo! Respeite o âmbito privado de outras pessoas!

Tudo bem, perguntei a Addy e Simone, mas o que de concreto vocês aconselham para os clientes? Eu mesmo já estou no Brasil há alguns anos e sei que, no cotidiano, não é necessário evitar perguntar sobre a família, sobre os filhos, sobre o bem-estar pessoal e assim por diante. As pessoas se tocam, fazem elogios, se tornam próximas – e com isso estabelecem uma relação interpessoal de confiança. É considerado positivo e essencial. Isso também não teria um lado bom, Simone e Addy? E quem é que tem de se adequar, o visitante corporativo ou os brasileiros?

"Quando o gerente dos EUA ou da Europa é o chefe, e quando, por exemplo, se tratar de uma entrevista para um emprego, então todo mundo tem que agir de acordo com a ‘compliance'", explicaram – ou seja, as leis e os regulamentos internos. Perguntas sobre a esfera privada ficam de fora. Não se deve perguntar nada sobre os cônjuges e filhos e sequer sobre o endereço de residência. Ao candidato ou candidata devem ser feitas perguntas sobre o emprego e nada mais.

"Bem, e talvez possam perguntar as outras coisas durante o almoço", completou Simone.

Como assim?

"É uma técnica que chamamos de Style Switching."

Perguntei: Vocês querem dizer que após a entrevista o chefe convida seus candidatos para almoçar e pergunta todas as coisas proibidas?

"Para as pessoas no Brasil, seria simplesmente muito estranho, não perguntar nada sobre a vida pessoal", disse a Addy. "Talvez se possa encontrar um meio termo. Mas não se deve perguntar diretamente se a pessoa não quiser falar a respeito."

Admito que isso me pareceu malandragem. Simone viu de outra forma. "Você quer uma resposta clara sobre o que é certo ou errado", acrescentou, "mas, no fundo, quando lidamos com culturas, só podemos encontrar meios-termos. E decidir por nós mesmos: até que ponto devo me adequar, e a que aspectos de minha própria cultura não devo renunciar de modo algum?"

Bem, achei razoável. Simone também me confidenciou que muitos dos medos e dos problemas de adequação acabam se dissolvendo com o tempo. "O que parecia ameaçador para as pessoas no começo pode se tornar uma coisa banal após alguns meses", disse. "Pois nada nos torna mais tolerantes com outras culturas do que viajar e trabalhar no estrangeiro". Talvez algumas vezes também possa dar certo sem os caríssimos aconselhamentos interculturais.

Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão die ZEIT na América do Sul. Em sua coluna „Pé na Praia" faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.

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