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Pé na praia: Mais antigo que as Olimpíadas

Thomas Fischermann14 de setembro de 2016

O jornalista alemão Thomas Fischermann se embrenhou no sul da Amazônia para conhecer os jogos que mantêm os povos Kagwahiva conectados a tradições ancestrais. E as regras são bem mais simples que a briga por medalhas.

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Jornalista Thomas Fischermann, autor da coluna Pé na Praia
Foto: Dario de Dominicis

Olimpíadas, paraolimpíadas, torneios de futebol: neste inverno não me canso de ir a competições esportivas. Por isso fui até os Kagwahiva, um povo indígena no sul da região amazônica, pelo qual tenho um carinho especial. "Olha só, uma tocha olímpica!", gritou um homem para mim logo na chegada, de gozação.

Era um guerreiro de compleição forte. Não estava levantando tocha nenhuma no ar, mas um bastão de madeira. A brincadeira era uma de muitas da tribo onde estavam preparando eventos esportivos. Tupajakui, o cacique, tinha convocado uma competição. Acontece todo ano nessa região da Amazônia – e é com certeza um evento mais antigo que as Olimpíadas.

Os 900 sobreviventes desse povo Kagwahiva se embrenham na mata para caçar antas e porcos do mato, pescar e colher castanhas – tudo isso para a competição. Ainda na mata, defumam a provisão de carne para o churrasco em uma fogueira de gravetos e a armazenam em cestos feitos de folhas de coqueiro trançadas. A aldeia que obtiver mais carne, peixe e castanha vence – as regras são simples assim.

Para os Kagwahiva, tudo é uma festa, uma experiência de competição esportiva e aprendizado. Como a festa, com toda a sua preparação, dura semanas, é um boa oportunidade para os indígenas exercitarem suas técnicas oriundas de uma cultura anciã e transmiti-las para seus descendentes. Atirar com arco e flecha, sobreviver na floresta, conhecer as plantas, navegar pelos rios e assim por diante.

No resto do ano, a maioria deste povo já vive com eletricidade e aparelho de TV, à margem de uma rodovia importante. As crianças vão a uma escola, e alguns adultos têm empregos na cidade. No contexto de sua festa e competição de caça, porém, voltam à outra parte de si mesmos, como antigamente.

Quando termina a caçada de semanas, Tupajakui está de braços cruzados na margem do rio. Olha com satisfação e diz o que já sabia: a sua aldeia vai vencer este ano de novo. À margem dos rios mais próximos, estão ancorados um barco de madeira atrás do outro, os recém-chegados tocam flautas de bambu, alguns cantam canções antigas. Os mais jovens fazem saudações atirando no ar com tubos de papelão e pó de pólvora. Essa última é uma modernização das tradições de tempos antigos. Foi aceita no cânone das técnica culturais com admiração, sobretudo pelos membros mais jovens da tribo, quando abriram uma loja de fogos de artifício numa cidade próxima.

"Nós Kagwahiva conhecemos os animais da floresta, sabemos como são os seus movimentos e seus hábitos", diz o cacique com orgulho, ao ver os caçadores se aproximarem da terra com cestos e mais cestos cheios de animais caçados. E então acena para seus visitantes: "Sou eu que decide qual aldeia caça em qual parte da floresta."

Thomas Fischermann é correspondente do jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Na coluna Pé na praia, publicada às quartas-feira na DW Brasil, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens pelo Brasil. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter. Traduzido por Fernanda S. Canelas.