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Pé na praia: O jeito da mudança

Thomas Fischermann
3 de maio de 2017

Numa mudança da Europa para o Rio, foi preciso lançar mão da maior especialidade brasileira: improvisar. Mas logo se aprende: sem um clima de se estar "entre amigos”, o jeitinho provavelmente não vai funcionar.

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DW Brasilianisch Kolumne - Autor Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

Semana passada alguns amigos me perguntaram como fazer com a mudança da Europa para o Brasil. Pelo que eu sei existem duas escolas de pensamento a respeito. A primeira diz: esqueça-se de sua vida anterior quando for se mudar para São Paulo, Bahia ou Copacabana. Venda todos os seus bens e traga o dinheiro! Com certeza você vai precisar.

A outra escola de pensamento diz que isso é besteira: devem-se empacotar as coisas, mandá-las de navio pelo Oceano Atlântico e, quando o contêiner chegar, aproveitar para conhecer o novo país e seus costumes. Este é o caminho que escolhi quando vim para o Brasil em 2013.

Ainda me lembro: foi numa sexta–feira de manhã que a minha mudança apareceu pela primeira vez em minha rua. Pouco antes das seis horas, o caminhão carregado apareceu na esquina, justo onde as vagas para estacionar são disputadíssimas. Cinco simpáticos carregadores saíram da cabine do motorista. E primeiro foram comprar café na padaria, com muito açúcar. Obviamente que não tinha lugar para o caminhão estacionar, disseram, mas vai dar tudo certo. Não havia motivo para se preocupar com isso, principalmente no Rio de Janeiro.

Explicaram para mim, era o momento de lançar mão da maior especialidade brasileira: improvisar. A superação de obstáculos quotidianos através de muita discussão e (em caso de emergência) de pequenas discordâncias da lei e da ordem. Os brasileiros chamam isso de jeitinho, o caminho mais curto e ligeiramente pecaminoso, assim me explicaram, é o estilo de vida brasileiro.

Tentando me preparar para o grande momento, comecei a colocar em prática os muitos conselhos que recebi no tocante à mudança. O flanelinha, tomador de conta de carros e não oficialmente dono da rua, recebeu uma gorjeta bem gorda. Os porteiros do prédio tinham sido avisados e estavam preparados para a mudança. Agiam como se houvesse uma conspiração entre nós. Também havia o dono da oficina mecânica vizinha, em cuja garagem pretendíamos estacionar o caminhão por um tempo. Esse eu cumprimentei amigavelmente com tapinhas nos ombros, e ele me garantiu, em retribuição, que ele disponibilizaria o espaço para nós.

Quem poderia adivinhar que o flanelinha perderia a hora nesse dia? Que os proprietários dos carros estacionados ficariam só acenando com a cabeça, e por causa de uma feira não concordariam em remover seus carros para outro lugar? Que a polícia apareceria, mas a possibilidade de uma gorjeta para "aliviar” não seria nem sequer aventada?

Depois de quatro horas de negociações exaustivas, a mudança acabou. O caminhão teve que voltar cheio para o depósito na periferia da cidade. 

Foi assim que aprendi, em poucas semanas, uma coisa muito importante: o jeitinho se comporta de forma similar à minha mudança. Às vezes as coisas dão certo, às vezes não. Isso pode ser tomado como uma espécie de regra.

Demorou pouco para eu descobrir a segunda regra. É mais ou menos assim: quando as pessoas se conhecem, estabelecem contato corporal e tratam-se pelos primeiros nomes, quando dizem "meu grande amigo” ou "irmão”, acabam encontrando um jeitinho para as coisas funcionarem. Por outro lado, onde há distância, e os acordos não são feitos verbalmente, e sim por escrito, quando há transações e não se pode estabelecer um clima de se estar "entre amigos”, aí o jeitinho provavelmente não vai funcionar.

O contêiner vindo de Hamburgo foi entregue novamente no dia seguinte. Os cinco carregadores vieram uma hora mais cedo, desta vez às cinco da manhã. "Na madrugada de sábado ninguém leva muito a sério se estacionarmos em um local proibido”, explicaram. E carregaram as caixas para o interior do apartamento em tempo recorde. Só não foi possível desempacotar. Não dava para deixar o caminhão estacionado por muito mais tempo.

Fiquei então sentado no meio das caixas fechadas, mas para mim isso não era nenhum problema. Estava feliz. Posso muito bem desempacotar sozinho.

Uma semana depois, pedi para me mandarem a conta. Uma entrega extra, meio dia de trabalho para cinco carregadores, duas corridas de caminhão através de uma cidade de 16 milhões de pessoas – o que isso custaria a mais? "Nada, foi um prazer”, veio a resposta da companhia de mudanças. "Bem-vindo ao Rio de Janeiro."

Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Em sua coluna Pé na Praia, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos – no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.