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"América Latina precisa gastar mais para enfrentar recessão"

9 de abril de 2020

Para minimizar os efeitos da crise do coronavírus, governos deveriam investir 5% do PIB em medidas para estimular economia, financiar saúde pública e apoiar os que perderam seus meios de subsistência, defende economista.

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Rapaz de máscara caminha em frente a uma loja fechada em São Paulo
No Brasil, o pacote emergencial anticoronavírus corresponde a cerca de 3% do PIBFoto: Reuters/A. Perobelli

A crise econômica decorrente da pandemia de covid-19 será especialmente dolorosa para os países da América Latina, que entram nessa recessão fragilizados após meia década de baixo crescimento e alta na dívida pública.

Para minimizar os efeitos da crise, esses países deveriam ser mais ambiciosos e investir cerca de 5% do PIB em medidas para estimular a economia, financiar a saúde pública e apoiar os que perderam seus meios de subsistência – um patamar de gastos que, no continente, somente o Chile chega perto de alcançar; no Brasil, o pacote emergencial corresponde a cerca de 3% do PIB e, na Colômbia, 1,5%.

A análise é do economista José Antonio Ocampo, professor da Universidade Columbia, em Nova York, presidente do Comitê sobre Políticas de Desenvolvimento do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas e ex-ministro da Economia da Colômbia.

À DW Brasil, ele reconhece que os países latino-americanos têm um espaço fiscal limitado para agir, mas diz que agora "não é hora para austeridade" e que a meta de investir 5% do PIB em medidas emergenciais já é bastante inferior ao patamar adotado por países desenvolvidos para enfrentar a crise, de cerca de 10% do PIB.

Diante da atual escassez de financiamento privado internacional e das limitações de bancos multilaterais, Ocampo sugere que os países recorram ao endividamento doméstico, como a emissão de papéis do Tesouro de curto ou médio prazo, e apoia que os próprios bancos centrais comprem títulos da dívida, iniciativa que, no atual contexto, não traria risco de inflação, segundo ele.

Depois que a recessão for superada, porém, ele afirma que os países da América Latina terão que analisar como equilibrarão suas contas novamente. Além disso, deveriam "pensar seriamente em promover algum tipo de reindustrialização como estratégia de desenvolvimento" e "buscar uma integração regional mais ativa".

DW Brasil: Como o sr. avalia a reação de países da América Latina para enfrentar a crise econômica provocada pela pandemia?

As iniciativas dos bancos centrais para aumentar a liquidez [disponibilidade de dinheiro no mercado] foram mais completas do que as iniciativas fiscais [aumento de gastos do governo].

Porém, a reação fiscal é limitada pelo fato de que o espaço fiscal dos governos para atuar está limitado. E eles estão sob pressão das agências de classificação de risco, que estão reduzindo a nota de avaliação de países na América Latina. Essas agências estão jogando duro ao pedir que os países limitem seus gastos em vez de aumentá-los, que é o que é necessário fazer agora.

Agora não é a hora para austeridade. A demanda privada colapsou, não há investimento, e as pessoas não podem consumir. A única fonte de demanda são os gastos do setor público, e não é nem para promover uma expansão, mas apenas para evitar uma recessão ainda mais forte.

O valor dos pacotes de emergência anunciados na América Latina é adequado?

A maioria dos programas fiscais que vi são pequenos e deveriam ser ampliados. No caso da Colômbia, é de cerca de 1,5% do PIB. Diversos ex-ministros da economia [da Colômbia], incluindo eu, pediram algo em torno de 5% do PIB. O único país que está perto disso é o Chile [com 4,7% do PIB]. O Brasil é o segundo [com cerca de 3% do PIB].

Esse patamar de 5% do PIB já é bem abaixo do que vem sendo praticado por países desenvolvidos, que têm destinando o dobro disso, em torno de 10% do PIB. [Na Alemanha, as medidas de estímulo anunciadas consumirão cerca de 10% do PIB, nos Estados Unidos, 11%, e no Japão, 20%].

Como países latino-americanos devem financiar esses pacotes de emergência?

O financiamento privado internacional será uma opção muito limitada – ele praticamente colapsou, e as taxas de juros aumentaram.

Os bancos multilaterais de desenvolvimento estão oferencendo financiamento adicional. Mas teriam que elevar ainda mais o que já ofereceram. De qualquer forma, será uma fonte limitada.

Temos que pensar mais em financiamento doméstico. Uma forma, que é bastante ativa no Brasil, é usar papéis do Tesouro, de curto ou médio prazo, para financiar o aumento do déficit.

Mas não rejeito a possibilidade de os bancos centrais também os financiarem, por meio da compra de papéis do Tesouro, diretamente do governo ou no mercado secundário. No curto prazo, há uma demanda imensa por liquidez e por dinheiro dos bancos centrais, então não acho que esses programas provocariam pressão inflacionária.

Depois que a crise passar, há risco de que esse esforço emergencial faça a dívida pública sair do controle nesses países?

As economias latino-americanas enfrentam duas restrições, relacionadas a eventos que ocorreram antes da crise.

A primeira é que elas não cresceram com força nos últimos cinco anos. Houve uma meia década perdida. Desde 2014 o crescimento tem sido lento, e alguns países estiveram em recessão, como o Brasil.

A segunda são as condições fiscais. O déficit e a dívida do setor público no ano passado eram significativamente maiores do que os de 2008 [quando houve a crise financeira]. Então a capacidade de promover expansão fiscal para enfrentar a recessão é mais limitada agora do que era antes.

Após esta crise ser superada, a situação fiscal será mais grave, e o Brasil é um caso importante, pois já está com uma dívida alta. Os países terão que analisar como vão gerenciar o seu ajuste fiscal.

No que mais eles deverão pensar para estimular a economia após a crise?

Na minha opinião, eles devem pensar seriamente em promover algum tipo de reindustrialização como estratégia de desenvolvimento.

Além disso, como o comércio internacional será fraco adiante, os países da América Latina deveriam buscar uma integração regional mais ativa. Claro que isso não é fácil, há muitas diferenças políticas, mas há também diversas possibilidades para aprofundar o comércio regional e fortalecer cadeias de valor regionais.

Países da América Latina são, em regra, dependentes da exportação de commodities. Como isso os afeta neste momento?

O grande problema são as economias que dependem do petróleo e da mineração. Há uma guerra do petróleo em curso, e a Rússia está relutante em chegar a um acordo com a Arábia Saudita. Economias que exportam petróleo vão sofrer mais, como Venezuela, Colômbia e Equador.

Minérios também estão indo mal, porque o grande comprador é a China, e até que a China se recupere, a mineração terá dificuldade.

Mas não acho que as commodities agrícolas serão afetadas fortemente por esta crise. Poderá até haver alguma escassez delas.

Como o sr. avalia as medidas do Brasil para reduzir o impacto desta crise?

O Banco Central [brasileiro] adotou as políticas corretas, alinhado ao que a maioria dos bancos centrais pelo mundo tem feito.

O que acho interessante é a renda básica emergencial, que, no caso do Brasil, é facilitada por programas antigos de transferência condicional de dinheiro que o país implementou no passado. Creio que é uma excelente resposta, mas sei que ela é custosa, e o Brasil tem problemas fiscais desde antes da crise. O governo estava tentando fazer alguns ajustes fiscais importantes, e as condições fiscais ficarão piores. Mas esse é um ponto de interrogação para o futuro.

A recuperação do Brasil da recessão já estava fraca antes da crise do coronavírus. E, como em todos os países do mundo, essa crise terá um efeito negativo na economia brasileira. As estimativas mais confiáveis sobre o desempenho da economia que vi até o momento são as do Goldman Sachs, que colocam o Brasil numa situação intermediária – não tão ruim como Argentina, Equador e Venezuela, mas pior que Chile, Peru e Colômbia.

E a reação da Colômbia?

No geral, tem sido boa. O Banco Central foi bastante ambicioso para prover liquidez ao mercado, intervieram no mercado de câmbio e reduziram a taxa de juros. Mas a reação do governo foi menor que a necessária. Eles destinaram fundos ao setor de saúde e aumentaram as transferências para os 30% mais pobres da população. Mas faltaram políticas para a população vulnerável que não está entre os mais pobres – na Colômbia os trabalhadores informais e independentes representam 60% do total, e eles não receberam apoio.

Qual o papel dos organismos multilaterais neste momento?

Todos os bancos multilaterais já anunciaram novos programas de empréstimo, e autorizaram linhas de crédito existentes a serem usadas com outros objetivos. Como, por exemplo, usar uma linha de investimentos em educação para o setor da saúde.

A grande questão é se eles terão capital suficiente. Isso é particularmente importante para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), já que o Banco Mundial não é relativamente muito importante na América Latina.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) tem diversos desafios, mas já dobrou seus instrumentos de emergência, o que é bom. Porém há diversos outros instrumentos que eles precisam melhorar, como incluir mais países em sua linha flexível de crédito e criar um instrumento de swap. Eu e outros colegas propusemos a emissão de 500 bilhões de dólares em direitos especiais de saque, que tem o apoio da diretora do FMI [Kristalina Georgieva]. Saberemos na próxima semana se essa proposta será aceita.

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