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Parto confidencial, uma saída para gestações indesejadas

24 de julho de 2017

Mais de 300 partos confidenciais foram realizados na Alemanha desde que passaram a ser previstos em lei. Mas especialistas dizem que prática não ajuda todas as mulheres que precisam manter a gravidez em segredo.

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Mulher grávida
Muitas mulheres que optam pelo parto confidencial sentem-se ameaçadas pela família ou por parceiros Foto: Fotolia/luna

Mulheres que querem manter uma gestação em segredo costumam se ver numa situação desesperadora. Se precisam esconder a gravidez por temerem por temerem famílias opressoras ou parceiros violentos, por exemplo, identificar-se junto ao ginecologista que acompanha a gravidez ou no hospital onde escolhem fazer o parto está fora de questão.

Para ajudar essas mulheres, o governo alemão criou a lei do parto confidencial em maio de 2014. Com a promulgação, entrou em funcionamento uma hotline 24 horas que intermedeia ajuda imediata para mulheres grávidas. Os profissionais encaminham a paciente para um centro de aconselhamento próximo a ela – tudo de forma anônima.

Se a gestante optar por um parto confidencial após receber orientação, ela tem a possibilidade de fazer o pré-natal (com uma parteira ou com um ginecologista), ter o acompanhamento médico necessário e fazer o parto sem precisar revelar sua verdadeira identidade. Depois do nascimento, o bebê fica sob cuidados do Juizado de Menores e é encaminhado para adoção.

Neste mês, o Ministério alemão da Família apresentou uma avaliação dos efeitos da lei do parto confidencial no país. Desde maio de 2014 – quando o texto entrou em vigor – foram registrados 335 partos confidenciais na Alemanha – em média, mais de cem por ano.

"Muitas mulheres que querem manter a gravidez – e também a maternidade – em segredo escolhem o parto confidencial como alternativa a lugares onde se pode deixar o bebê de forma anônima", disse Jörn Sommer, o médico que liderou o estudo sobre a nova legislação para o governo alemão.

Lei do parto confidencial deu quadro legal a profissionais médicos, diz parteira Katharina Jeschke
Lei do parto confidencial não é para todas, mas deu quadro legal a profissionais médicos, diz Katharina JeschkeFoto: Deutscher Hebammenverband

Mesmo antes da aprovação da lei, há três anos, já existiam as chamadas 'portinholas para bebês' na Alemanha. Também conhecidas como 'janela de Moisés', esses mecanismos normalmente são disponibilizados por um hospital e são uma espécie de guichê onde as mães que querem manter a anonimidade podem colocar seus bebês. Quando o bebê é deixado na caminha que fica atrás da portinhola, um alarme dispara e alerta a enfermaria do local. Imediatamente, os funcionários cuidam do bebê.

A principal diferença entre as 'janelas de Moisés' e o parto confidencial é que, no primeiro caso, a criança nunca tem a chance de obter informações sobre a própria origem. Por isso, as portinholas são apenas toleradas pelo governo alemão, que considerou o mecanismo uma violação dos direitos da criança de saber quem é sua família biológica.

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No parto confidencial, a mulher precisa deixar o nome e os contatos no centro de aconselhamento ao qual é encaminhada. Num envelope fechado, o centro envia os dados da gestante para o Ministério da Família. Só o funcionário responsável pela orientação da grávida sabe o verdadeiro nome dela. Mas, quando completa 16 anos, a criança pode pesquisar as informações junto ao ministério e entrar em contato com a mãe.

"É uma boa solução tanto para a mãe quanto para a criança", afirmou a ministra alemã para a Família e as Mulheres, a social-democrata Katarina Barley. "Mãe e filho recebem assistência médica durante o parto e, mais tarde, a criança tem a possibilidade de descobrir de onde veio."

Lei não substitui 'janela de Moisés'                                            

A Associação alemã de Parteiras acredita que a nova lei proporcionou um quadro legal claro para parteiras e médicos, permitindo que esses profissionais ajudem mulheres em situação de necessidade.

"Em geral, a lei é muito importante, porque ajuda mulheres que se encontram em situações muito difíceis", disse a parteira Katharina Jeschke, membro da administração do órgão, à DW. "Assegura que mulheres recebam apoio médico e psicossocial durante a gestação, o parto e o pós-parto. Também auxiliou hospitais e parteiras cuja situação legal era incerta ao ajudar a manter a anonimidade das pacientes antes da lei", afirmou.

Porém, a associação também afirma que o parto confidencial legal não deveria substituir completamente opções como o chamado depósito de bebês ou um parto completamente anônimo. Com o parto confidencial, o registro da mulher junto a um centro de orientação pode ser um obstáculo em casos extremos, explicou a parteira.

"Normalmente, esperamos que uma mulher grávida tenha capacidade de procurar ajuda", disse Jeschke. "Mas existem situações excepcionais, nas quais a mulher está emocionalmente abalada. Nesses casos, não dá para esperar um raciocínio normal, lógico. Por isso existem mulheres que abandonam os próprios filhos ou deixam as crianças nas portinholas. Também queremos ajudar essas mulheres, que vivem em circunstâncias emocionais excepcionais", constatou.

'Janela de Moisés' da clínica Waldfriede, em Berlim
'Janela de Moisés' da clínica Waldfriede, em Berlim: opção apenas tolerada pelo governo alemãoFoto: picture-alliance / Berliner_Kurier

Segredo de confissão

O Walfriede, em Berlim, foi o primeiro hospital a introduzir a chamada 'janela de Moisés' na Alemanha, em setembro de 2000. A clínica também oferece a possibilidade de um parto completamente anônimo às gestantes. O pastor Gerhard Menn, um de seus capelães, disse que seu trabalho é semelhante a ouvir a confissão de alguém.

"As mulheres que nos procuram querem a anonimidade. Se elas são muçulmanas, também têm de lidar com a questão do crime de honra [cometido por um membro da família em situação de alegada 'conduta imoral' da vítima – nesse caso, a mulher grávida]. Algumas sofreram violência doméstica ou foram vítimas de estupro", diz Menn.

"Elas não querem que nenhuma autoridade obtenha seus dados, que saibam que elas estão grávidas. E esse tipo de anonimidade não funciona no caso da lei do parto confidencial. Aqui no hospital, elas vêm até mim, o pastor – e eu lhes garanto que o que elas me contam é segredo absoluto", explica.

"Quero meu bebê de volta"

Menn também acredita que a lei do parto confidencial complica muito a situação de mulheres que mudam de ideia e querem seus filhos de volta. No caso do parto anônimo no hospital Walfriede, elas têm dois meses para voltar atrás na decisão de entregar o bebê, de forma pouco burocrática.

"Hoje, recebi um e-mail de uma mulher que teve sua filha aqui há dois anos", diz o pastor. "Depois do parto, ela ficou mais tempo do que deveria. Ficava com a criança o tempo todo, dava colo, de mamar. Depois de uma despedida muito comovente, ela foi embora. A criança foi preparada para ser entregue à adoção", relatou Menn, que ficou em contato com a mulher.

"Ela ligava todo dia para saber como estava o bebê. Eu pude lhe contar que a menina foi encaminhada para uma família e que estava tudo bem. Uma semana mais tarde, ela disse que tinha conversado com a família dela e com o pastor dela e que queria a filha de volta."

Segundo Menn, acompanhada do pai, a mulher foi até a nova família da filha para recuperar a bebê. "Foi muito dramático, os dois lados choraram muito. Mas ela obteve a guarda da filha. Eu recebi fotos: uma menininha alegre e uma mãe solteira feliz."

Para o pastor, histórias como essa mostram que a lei do parto confidencial deveria fazer com que a decisão de gestantes de voltar atrás e não abandonar suas crianças ficasse mais fácil.