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Paulo Coelho sugere Caminho de Santiago a Oliver Kahn

Geraldo Hoffmann10 de outubro de 2006

Em entrevista à televisão alemã, escritor brasileiro sugere ao goleiro do Bayern de Munique que faça a peregrinação ao santuário espanhol para prolongar sua carreira e diz que futebol é a coisa mais importante do mundo.

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Kahn entrevistou Coelho no apartamento do escritor em ParisFoto: N24

"Quero estimulá-lo a percorrer o Caminho de Santiago. Esse é o meu conselho, mesmo sabendo que você não precisa de conselho. Estou seguro de que isso vai ajudá-lo a prolongar essa sua carreira maravilhosa", disse o escritor Paulo Coelho ao goleiro Oliver Kahn, em entrevista à emissora de televisão alemã N24, na noite desta segunda-feira (09/10).

O encontro entre o escritor brasileiro e o ídolo do futebol alemão foi resultado de uma aposta perdida por Kahn. O goleiro do Bayern de Munique havia apostado com o apresentador do programa Was erlauben Strunz, Claus Strunz, que a Alemanha se sagraria campeã do mundo em 2006. Caso isso não ocorresse, ele faria a apresentação da centésima edição do programa.

Nesta segunda-feira, Kahn trocou as luvas pelo microfone e pagou a promessa, escolhendo como entrevistado Paulo Coelho. Para isso, a N24 teve de transformar o apartamento do escritor em Paris num estúdio de TV. O que mais surpreendeu o goleiro foi não encontrar livros na casa de um dos escritores mais lidos da atualidade.

"Creio que os livros têm vida própria. Naturalmente se pode ficar com eles para mostrar aos amigos que se lê muito. Mas isso é inútil. Sempre que termino de ler um livro, eu o passo adiante porque a chance de lê-lo pela segunda vez é de 1%", explicou Coelho.

O escritor contra-atacou, perguntando se Kahn tinha bolas em casa. "Na verdade, não. Quando chego em casa, às vezes, tenho vontade de me desligar de tudo que tenha a ver com bola ou futebol", revelou o jogador.

Solidão de escritor e goleiro

Deutsche Niederlage gegen Ungarn Oliver Kahn
Kahn após a eliminação da Alemanha na Eurocopa 2004Foto: AP

Coelho contou que, quando volta para casa, acessa a internet. "Este é o momento em que tenho contato com meus leitores. Normalmente, um escritor é uma pessoa muito solitária. Mesmo que tenha vendido milhões de livros, não tem contato com os leitores. (...) Eu sou uma pessoa muito solitária. Não procuro com insistência ter muitos contatos."

O escritor disse que seu momento de maior solidão não é quando escreve. "Quando escrevo um livro, converso com minha alma, assim tenho uma companhia. Às vezes, quando encontro muita gente e preciso me lembrar de tantas coisas, os nomes etc, daí me sinto muito sozinho".

Coelho quis saber se o momento de maior solidão do goleiro é na cobrança de pênaltis. "Não, porque num pênalti o goleiro só pode ganhar. Pode se tornar um herói, se defende o pênalti. Muito mais solitário é o momento em que toma um gol normal durante o jogo. Quando todos os jogadores te viram as costas, depois de te olharem com desdém, se o gol foi culpa tua. Esse é o momento mais difícil para o goleiro", explicou Kahn.

Ler em vez de jogar baralho

O craque do Bayern revelou que prefere ler livros a jogar baralho ou simplesmente contemplar a paisagem durante as viagens com o clube. Ele contou que, depois da Copa 2006, leu "por acaso" O Diário de um Mago (1987), no qual Paulo Coelho narra sua experiência da peregrinação a Santiago, "algo semelhante" ao que Kahn diz ter vivido no Mundial.

"Tive de assistir à Copa de uma perspectiva completamente diferente, pela primeira vez na minha vida. Sempre fui o número um, mas desta vez fui o número dois. Foi um caminho novo que eu tive de seguir e que, às vezes, envolveu frustração. Todos os temas abordados no livro lembraram um pouco a minha situação. Por isso, achei o livro muito fascinante", disse, justificando a escolha do tema da entrevista.

Luta contra o "cão negro"

Jakobsweg Schild
Peregrinos a caminho de Santiago de CompostelaFoto: dpa

O titã ou "animal", como é conhecido na Bundesliga, quis saber o que simboliza a "luta contra o cão negro", mencionada por Paulo Coelho no livro. "Não é um simples cão negro. Estamos o tempo todo cercados por tentações. E tentações nos levam adiante, porque precisamos nos decidir. Para mim, houve um ponto em que foi difícil me decidir porque outros sempre decidiam por mim. O cão negro no livro simboliza isso, que uma outra pessoa toma as decisões por mim – a sociedade, os pais, mulheres etc", explicou o escritor.

O goleiro ainda perguntou sobre experiências concretas vividas por Paulo Coelho em sua peregrinação. O escritor respondeu que, "ao iniciar a caminhada, não sabia o que queria. Eu queria ser escritor, mas sempre vinha adiando isso. Achei ridículo fazer essa peregrinação", disse.

Ele acrescentou que, ao fazê-la, aprendeu quatro coisas importantes: primeiro, que é possível viajar com pouca bagagem; segundo, que é preciso ouvir os sinais do próprio corpo e respeitar seu próprio ritmo; terceiro, prestar atenção nos sinais – "não é preciso ir até Santiago de Compostela para entender muitas coisas importantes" – e, por fim, que nunca se deve perder de vista seu objetivo.

Kahn não descartou a possibilidade de vir a fazer peregrinação, mas não quis fixar data. "Posso muito bem me imaginar fazendo algo assim", afirmou. Apesar da insistência do apresentador Claus Strunz, ele não revelou planos para o futuro. "Talvez, um desafio que não tenha a ver com futebol", cogitou.

Futebol, a coisa mais importante do mundo

Apesar de ter encontrado Kahn apenas duas vezes, Paulo Coelho disse que acompanha a carreira do jogador desde 2001, quando os dois receberam o prêmio Bambi da mídia alemã. "Do jeito que acompanho sua carreira, posso dizer que sou seu admirador. Não vou escrever um livro sobre você, mas você já escreveu um livro em meu coração", disse.

Quando Kahn perguntou ao escritor se o futebol havia inspirado alguma de suas obras, Coelho fez uma ode ao esporte. "Eu penso que o futebol é a coisa mais importante da vida. Não digo isso porque sou seu admirador. Acabo de escrever um texto sobre isso para a Fifa. Estive num workshop no Fórum Econômico Mundial em Davos no qual se discutiu o que é a coisa mais importante do mundo. Eu me levantei e disse: o futebol. Esse é o único momento no mundo em que todos se concentram na mesma coisa. Se conseguíssemos transformar essa energia em algo maior, acredito que poderíamos transformar o mundo."

"Visão" de Dachau

Mais do que o futebol, o misticismo parece influenciar a literatura de Paulo Coelho. Até sobre reencarnação ele discutiu com Kahn. O escritor conta que teve uma "luz" na Alemanha. Segundo informa seu site na internet, em 1979, ele reencontrou sua amiga de juventude, a pintora Christina Oiticica – com a qual se casaria mais tarde – e os dois iniciaram uma longa viagem à Europa, inclusive à Alemanha.

Na terra de Goethe, eles visitaram entre outros pontos o ex-campo de concentração nazista de Dachau (Baviera), onde Coelho teria tido uma "visão" na forma de um homem, que ele encontraria dois meses mais tarde num café em Amsterdã. Este homem, cuja identidade o escritor nunca revelou, o teria aconselhado a retornar ao catolicismo e a peregrinar até Santiago de Compostela.

Coelho passou, então, a estudar a linguagem dos símbolos cristãos, fez a peregrinação e virou escritor. Os resultado são milhões de livros vendidos em 55 idiomas em 150 países. Para uns, ele é um "alquimista da palavra", para outros, um fenômeno da cultura de massas.

Para outros, ainda, ele é um guru. Pelo menos é a impressão que se tem ao ver a corrida aos seus livros na Alemanha ou ao ler as mensagens escritas por seus fãs no blog em que apresenta os 13 primeiros capítulos de sua nova obra, A Bruxa de Portobello, lançada no último dia 27 de setembro no Brasil e em Portugal.