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Pobreza e desemprego impedem pacificação do Afeganistão

Said Musa Samimy (as)31 de julho de 2006

A substituição dos EUA pela Otan no comando militar no sul do país não trará a paz à região: ao lado dos problemas de segurança, deficiências nas áreas política e econômica emperram o processo de democratização.

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Soldados da Otan já patrulham o sul do AfeganistãoFoto: AP

Nesta segunda-feira (31/07), a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) assumiu o comando da coalizão formada por tropas ocidentais e por soldados e policiais afegãos estacionada no sul do país, em substituição aos EUA. Se a nova estratégia trará resultados, somente se saberá daqui a três ou seis meses, segundo os cálculos do comandante das tropas da Otan no sul do Afeganistão, o britânico David Richards.

A aliança militar, sozinha, não conseguirá levar a paz à região. Além da questão da segurança, principalmente os déficits políticos e econômicos impedem que o país siga o caminho da democracia.

Segurança

Afghanistan Präsident Hamid Karsai Pressekonferenz in Kabul
Governo de Karzai enfrenta crise de confiançaFoto: AP

A segurança no Afeganistão, principalmente no sul do país, se deteriorou muito nos últimos meses – a situação é a pior desde que o regime talibã foi expulso do poder, no final de 2001. Desde o início de 2006, mais de 1,6 mil pessoas morreram em atentados e confrontos armados. Isso abalou profundamente a confiança da população na capacidade do novo governo de trazer a estabilidade ao país.

O governo do presidente Hamid Karzai enfrenta uma grave crise de confiança e ela não se origina apenas da ameaça de atentados terroristas. Mais do que isso, a autoridade do governo de Cabul vem sendo enterrada pela pobreza e pelo desemprego crescentes e pela falta de perspectivas – principalmente para os cerca de quatro milhões de ex-refugiados.

Tarefa difícil

O governo afegão espera, com a troca do comando militar, que as milícias talibãs sejam rapidamente eliminadas das remotas vilas do sul e que cesse o terror sobre a população. Mas essa tarefa pode ser mais difícil do que se imagina.

NATO löst US-Truppen in Afghanistan ab
Soldados da Otan no sul do AfeganistãoFoto: AP

Primeiro, porque observadores militares apontam para deficiências nas tropas da Otan, principalmente de logística, de apoio aéreo e nos equipamentos de resgate. Segundo, os soldados deverão se adaptar à nova tática dos guerrilheiros talibãs, inspirada no modelo iraquiano: os atentados-suicidas, que ganharam força depois que a coalizão militar liderada pelos EUA matou ou expulsou guerrilheiros de seus territórios nas últimas semanas, resultado da operação militar Mountain Thrust.

Isso significa que as tropas da Isaf (sigla em inglês para Força Internacional de Assistência e Segurança, a missão da ONU para o Afeganistão operada pela Otan) dependerão ainda mais da colaboração com a polícia afegã. O problema é que a polícia afegã está mal preparada para um eficiente combate ao terrorismo. O seu treinamento é precário, seus equipamentos são insuficientes e sua motivação é baixa. Para combater os ataques-suicidas, a polícia necessitaria sobretudo de um bom serviço de informações.

Fome e desemprego

Em paralelo a todos esses problemas de segurança, o governo é confrontado com a crescente insatisfação da população. O processo de reconstrução do país, depois da fase inicial de euforia, está parado. Apenas o setor da construção civil floresce nas grandes cidades, beneficiando uma pequena classe de novos-ricos. A distância entre pobres e ricos aumenta de forma clara. Principalmente nas grandes cidades, a maioria da população passa fome e a taxa de desemprego é alta.

Das neue Afghanistan ist das Alte
Desempregados à espera de trabalho em Cabul

O presidente Karzai não conseguiu manter a sua promessa de campanha de elevar rapidamente a renda média da população. O governo também não possui um conceito claro de como retomar o desenvolvimento econômico e recuperar a estabilidade social.

"Somos confrontados com a pobreza, o desemprego e a insatisfação generalizados. Muitas pessoas até mesmo se sentem obrigadas a deixar o país. Não há perspectivas para o desenvolvimento político e econômico, e a participação da população no sistema político é insuficiente", afirma o presidente do Partido do Congresso Nacional, Latif Pedram.

Política conservadora

Ao invés de incentivar as forças democráticas, o presidente Karzai se apóia cada vez mais em ultraconservadores e em forças religiosas. Em dezembro passado, ele fechou uma aliança com o fundamentalista Abdur Rab Sayyaf, líder do partido Missão Islâmica.

Karzai apoiou Sayyaf na eleição para presidente do Parlamento na esperança de contar com apoio parlamentar para o seu governo. Mas Sayyaf perdeu as eleições para o rival Junus Qanuni, o que resultou na perda de prestígio de Karzai entre os congressistas.

Regierungsumbildung in Afghanistan - Parlament stimmt ab
Eleição no Parlamento afegãoFoto: picture-alliance/ dpa/dpaweb

Sem que houvesse necessidade, Karzai ainda realizou o desejo do conselho dos religiosos islâmicos: aprovou a criação de um departamento para "Incentivo à Virtude e Combate ao Vício". Já nos tempos do regime talibã, essa polícia de costumes patrulhou a população, principalmente as mulheres, e feriu violentamente os direitos humanos.

Abafar a liberdade

A oposição democrata considera a recriação dessa força policial um passo perigoso. "Com isso, o Estado adquire uma guarnição político-ideológica para todas as suas atividades e decisões. O governo deixa claro que vai instrumentalizar esse departamento e abafar cada voz de liberdade", afirma o analista político Qasim Akhgar.

Desde os distúrbios registrados em maio, o presidente teme pelo seu posto. Para evitar o golpe, ele conta com a solidariedade da comunidade internacional, que não vê outra alternativa a não ser apoiar o democraticamente eleito Karzai.

Da mesma forma, não há alternativas aos esforços da comunidade internacional para forçar um regime democrático no Afeganistão. Só a boa vontade para isso não basta. Continua sendo urgente a definição de uma concepção política para pacificar o país.