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Polícia é responsável por um quinto dos homicídios no Rio

Roberta Jansen, do Rio7 de julho de 2016

Relatório da ONG Human Rights Watch afirma que, em preparação para os Jogos Olímpicos, governo estadual ignorou o problema da impunidade por execuções extrajudiciais cometidas por policiais.

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Symbolbild Brasilien Razzia Slum Polizei
Foto: picture-alliance/dpa/A. Lacerda

Pelo menos 645 pessoas foram mortas pela polícia no ano passado em todo o estado do Rio de Janeiro – perfazendo um total de 8 mil mortes ao longo da última década. Um quinto de todos os homicídios registrados na cidade do Rio em 2015 foi de autoria de policiais. Os dados estão no relatório da Human Rights Watch divulgado hoje cedo: “O bom policial tem medo: os custos da violência policial no Rio de Janeiro”. Segundo a entidade, os crimes tendem a ficar imunes pela inação da Polícia Civil e do Ministério Público.

A despeito dos recentes assassinatos de policiais, o relatório mostra que a disparidade nos números ainda é muito grande. Baseada em estatísticas do ano passado, a HRW mostra que para cada policial morto em serviço no Rio, a polícia matou 24 pessoas – o dobro do que ocorre na África do Sul, por exemplo, e o triplo do registrado nos Estados Unidos. A disparidade é ainda muito mais alarmante nas 10 regiões com o maior número de tiroteios reportados: em apenas três zonas, as unidades policiais foram responsáveis por 483 mortes, contra 15 fatalidades entre policiais.

O relatório, baseado em mais de 60 casos de uso ilegal da força letal e aproximadamente 90 entrevistas, examina as medidas tomadas para assegurar a responsabilização criminal por abusos policiais no estado do Rio de Janeiro. Em preparação para os Jogos Olímpicos, o governo do Rio prometeu melhorar o policiamento no estado, mas não abordou o problema da impunidade por execuções extrajudiciais cometidas pela polícia, que contribuem com o ciclo da violência e comprometem a segurança pública.

“Na grande maioria dos casos que conseguimos reunir, a polícia (civil) sequer foi ao local dos crimes para investigar, testemunhas não são ouvidas, médicos não são interrogados, nem mesmo todos os policiais militares que participaram da ação são ouvidos”, enumera César Munoz, um dos pesquisadores responsáveis pela elaboração do relatório. “Quando a polícia civil abre o inquérito, os PMs são ouvidos como informantes, não acusados. Há uma presunção de que o assassinato foi legítimo”

Por outro lado, sustentou Muñoz, o Ministério Público afirma que não pode fazer nada se não há investigação eficiente por parte da polícia.

“A responsabilidade final é do Ministério Público”, afirma Muñoz. “Não adianta dizer que não faz nada porque a investigação é ruim, é preciso cobrar então uma investigação melhor, ou investigar por conta própria. O MP tem meios de fazer isso. A verdade é que há uma falta de interesse.”

O pesquisador citou nominalmente o procurador-geral Marfan Vieira Martins, que se disse totalmente ciente da situação. “Ou seja, o MP dormiu e precisa acordar; não adianta ter consciência do que está acontecendo e não fazer nada.”

Protesto em Copacabana em 2005 lembra policiais mortos durante o serviço no Rio de Janeiro
Protesto em Copacabana em 2005 lembra policiais mortos durante o serviço no Rio de JaneiroFoto: Reuters/S. Moraes

Maioria das vítimas é negra

Em nota, o Ministério Públicoinformou que o número de denúncias apresentadas vem aumentando consistentemente: de apenas sete em 2010, foram 96 no ano passado. Além disso, informou, em dezembro de 2015 foi criado o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp), cuja função é apoiar o controle externo da atuação policial e do sistema prisional.

A impunidade policial, segundo a HRW, teria sido um dos principais fatores por trás do sucateamento das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) – cuja principal premissa é justamente a confiança da comunidade nos policiais. Num primeiro momento, de 2008 a 2013, o número de mortes por policiais nas comunidades caiu de 1.300 para 400. Mas já voltou a subir.

“Para nós, isso não foi uma surpresa”, afirma Muñoz. “A impunidade mina a confiança da comunidade."

Praticamente todas essas mortes atribuídas à polícia são reportadas como atos legítimos de autodefesa em resposta a ataques de criminosos. De acordo com a Human Rights Watch, a polícia do Rio, de fato, enfrenta ameaças reais por parte de gangues de criminosos fortemente armados e, por isso, muitas das mortes são resultado do uso legítimo da força letal.

No entanto, pondera o relatório, muitas outras são assassinatos extrajudiciais. “A polícia atira em pessoas desarmadas, atira pelas costas em fugitivos e executa indivíduos que já estão imobilizados com tiros na cabeça”, indica o relatório.

A grande maioria dos mortos pela polícia (três quartos) é de homens negros em comunidades pobres.

A Human Rights Watch sustenta ainda que a ao cometer tais crimes, policiais incorrem em outros para não deixar pistas. Por isso, ameaçam testemunhas, “plantam” armas ou drogas nas vítimas, removem corpos das cenas dos crimes para hospitais, alegando socorro a feridos. Tais abusos raramente chegam à Justiça.

Ainda de acordo com o relatório, a sociedade paga um preço alto pelas execuções ilegais por parte da polícia – não apenas a vítima e sua família – mas também a própria polícia. Os assassinatos alimentam um ciclo de violência que coloca em risco a vida dos policiais que trabalham em áreas com altos índices de violência, compromete sua capacidade de trabalho, pondo em risco a sociedade como um todo. Se o suspeito sabe que a forma de atuação da polícia é matar, ele nunca vai se render, sua primeira reação será atirar.

As maiores vítimas são os policiais que não estão em serviço, que são mais vulneráveis. Para se ter uma ideia, um em cada seis mortos no crime de latrocínio (roubo seguido de morte) é policial. Num universo de 48 mil PMs, 9 mil policiais civis e 16 milhões de habitantes no estado, dá para afirmar sem medo de errar que eles são alvos.

Tanto a Polícia Militar quanto a Polícia Civil informaram que vão estudar o relatório primeiro antes de se manifestarem.