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Portaria de Moro importa postura americana sobre imigração

30 de julho de 2019

Ministro da Justiça quer deportação sumária de "perigosos". Para analistas, além de romper com a tradição sul-americana de hospitalidade, medida é inconstitucional, injustificada e priva estrangeiros de tratamento justo.

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O ministro da Justiça, Sergio Moro, e o presidente Jair Bolsonaro
"O grande problema é a visão que o governo Bolsonaro tem da migração", observa defensor públicoFoto: Agência Brasil/C. Antunes

Toda "pessoa perigosa para a segurança do Brasil" poderá agora ser deportada sumariamente ou até ter impedido seu ingresso no país – é o que prevê a Portaria nº 666, expedida pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, na última quinta-feira (25/07).

As críticas vieram imediatamente. "Não aconteceu nada no Brasil que justifique uma portaria dessa", surpreendeu-se a advogada Tania Maria de Oliveira, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), falando à DW.

Para todos que se ocupam do tema migração no Brasil, a decisão administrativa veio do nada, confirma o defensor público João Chaves: a tradição histórica nacional não é de deportar imigrantes, mas sim legalizar os ilegais.

No momento, há 11 mil refugiados legais no país, e 160 mil requerimentos ainda estão em andamento. Em comparação com a Europa, não existe nem um problema migratório, nem uma discussão séria sobre o assunto, frisa a advogada Oliveira. "Nós não temos problemas de estrangeiros com situação irregular, os números são irrisórios. Não tem justificativa nenhuma para isso."

Também para o especialista em direitos humanos e relações internacionais Thiago Amparo, da Fundação Getúlio Vargas, os motivos de Moro são inescrutáveis, e sua portaria infringe a Lei da Migração de 2017, que garante os direitos humanos dos refugiados. A redução do prazo para apresentar defesa, de 60 dias para 48 horas, "contrariando o prazo previsto na lei, na verdade impede que a pessoa tenha acesso a uma ampla defesa contraditória às razões pelas quais está sendo deportada".

O defensor público Chaves acrescenta que a nova portaria ignora os processos em andamento. Além disso, a abreviação do prazo de defesa para 48 horas, mais 24 horas para apresentação de recurso, priva os estrangeiros de seu direito a um processo judicial igual ao de todo brasileiro: "Mesmo na Alemanha, que tem um padrão rígido de tratamento com imigração, isso não seria admitido num tribunal."

A nova portaria permite, ainda, deportação em casos de apenas suspeita, inclusive com base em informações de serviços de inteligência estrangeiros, enquanto a Lei da Migração de 2017, por sua vez, exigia uma sentença válida como pré-condição para uma deportação. Fica também reinstituída a prisão preventiva para os que aguardam a deportação, algo que a lei de 2017 eliminara.

Já é inconstitucional o fato de a portaria corrigir uma lei, aponta João Chaves: normalmente esse é o procedimento de ditaduras, não de democracias. O caminho correto seria uma emenda da Lei de Migração vigente, aprovada pelo Congresso.

Para Thiago Amparo, o Brasil segue o exemplo dos Estados Unidos, Polônia e Hungria, com sua "retórica anti-imigratória muito forte", e o presidente Jair Bolsonaro se alinha ideologicamente a esses países. "O grande problema é a visão que o governo Bolsonaro tem da migração", observa Chaves. "A lógica que está nessa portaria é de ver o imigrante como ameaça à segurança nacional."

Isso se choca com a tradição da América do Sul, que "sempre foi reconhecida por boas práticas com relação a migrantes". "Mas a ideia de estabelecer uma política rígida, de permitir a saída ou inadmissão de pessoas por mera suspeita, pode ter uma semelhança muito grande com a política americana. Mas isso não quer dizer que seja boa", ressalva Chaves.

"O Brasil deveria se espelhar nas boas práticas, que ele próprio já consolidou", propõe o defensor público. Em muitos campos, na verdade, o país estaria mais avançado do que, por exemplo, a Alemanha atual, onde o solicitante tem que esperar inativo pela decisão de seu caso: "Nós já temos um sistema muito mais eficiente que o da Alemanha. Enquanto a pessoa aguarda a decisão sobre ser ou não refugiada, ela pode trabalhar, pode estudar, pode fazer sua vida."

Nos EUA e na Europa, os imigrantes, em geral, são encarados como perigo, mas "não devemos encarar isso como exemplo. O grande exemplo que a gente tem que dar é a tradição sul-americana que é facilitar residência e regularização", apela Chaves. Há muito o Brasil também deixou de ser uma clássica nação de imigrantes: é de três para um a proporção entre os brasileiros que vão para o exterior e os estrangeiros que chegam ao país.

A quem se dirige realmente a portaria, perguntam-se os especialistas? No momento, Bolsonaro parece ter um inimigo de estimação: o americano Glenn Greenwald. Com suas divulgações recentes no portal The Intercept, o jornalista investigativo provocou clamor público: uma série de mensagens compromete seriamente Moro e os investigadores da operação anticorrupção Lava Jato.

Greenwald sempre afirmou ter recebido os chats de fonte anônima. Neste fim de semana, contudo, o presidente e alguns ministros exigiram sua prisão, alegando estarem certos que o jornalista estaria por trás dos ciberataques que deram acesso às mensagens. Como é casado com um brasileiro e tem dois filhos adotados, porém, ele está a salvo da deportação.

Bolsonaro lamentou o fato, chamando "Glenn" de "malandro", por ter se casado com brasileiro, e ameaçando: "Talvez ele pegue uma cana aqui no Brasil." Na segunda-feira, representantes do governo reforçaram a ofensiva, acusando Greenwald de práticas ilegais para aquisição das gravações dos chats.

"Acaba sendo um padrão Bolsonaro a notícias que o desagradam, de alguma forma", comenta Marina Iemini Atoji, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), "ele tenta ameaçar e intimidar jornalistas". Ela considera um mau sinal o fato de que ele o faça a partir de sua posição de chefe de Estado: "Isso representa um ataque muito grande à liberdade de expressão."

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Thomas Milz
Thomas Milz Jornalista e fotógrafo