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Precisamos de instituições e não de heróis, diz procurador

29 de junho de 2018

Combate à corrupção deve ocorrer dentro do funcionamento normal e previsível das instituições e sem a necessidade de heróis, afirma procurador José Alfredo de Paula Silva.

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Sérgio Moro
O juiz Sérgio Moro, que se tornou uma figura emblemática da Operação Lava JatoFoto: Imago

Para o procurador José Alfredo de Paula Silva, coordenador do Grupo de Trabalho da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República (PGR), as instituições brasileiras precisam funcionar de forma que a resposta ao problema da corrupção não seja associada apenas a "figuras emblemáticas", como o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa ou o juiz Sérgio Moro. "Precisamos caminhar para que essa resposta estatal seja algo previsível", disse. "O caminho natural é que não tenhamos mais essas figuras de heróis."

Silva assumiu a função em setembro passado, após ser indicado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que tomou posse na mesma época, após suceder o ex-procurador-geral Rodrigo Janot. Antes disso, Silva atuou na ação penal 470, o mensalão do PT, e integrou o grupo de trabalho da Operação Zelotes, que investiga a venda de sentenças no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Silva concedeu entrevista à DW em Berlim, onde realizou visitas em órgãos de prevenção e combate à corrupção da Alemanha, em viagem organizada pela Fundação Konrad Adenauer, ligada ao partido União Democrata Cristã (CDU). Ele apontou ainda que os últimos três meses do ano, no período pós-eleitoral, podem vir a ser marcados por tentativas do mundo político de aprovar leis para frear a Lava Jato.

DW Brasil: No último ano, a cúpula da PGR parece ter adotado uma postura mais discreta em relação ao mandato do antecessor de Dodge, Rodrigo Janot. Seja em falas com a imprensa, seja na apresentação de denúncias. Por que esse contraste?

José Alfredo de Paula Silva: Isso é um reflexo da postura, da forma como o Rodrigo Janot via o seu cargo e sua forma de atuar, e como a Raquel Dodge vê o dela. Não colocaria em nada além disso. Vejo isso como um reflexo do que ela sempre demonstrou ao longo da sua carreira. Ela tem uma biografia muito rica e sempre se pautou por esse estilo. Vejo como algo natural.

DW: Esse estilo mais discreto não pode levar a uma conclusão de que a PGR está atuando menos?

Não creio. Há uma comunicação muito eficiente do que tem sido produzido e levado ao STF em termos de eventuais novas denúncias e reforço de denúncias já apresentadas. Isso é uma fase muito crítica do nosso sistema porque o Supremo – a meu ver com razão – é sempre muitos rigoroso ao receber denúncias. Há ainda trabalhos em alegações finais, a avaliação de todas as provas produzidas e o posicionamento se é o caso de efetivamente pleitear a condenação ou não. Existem ainda memoriais que ela tem apresentado em temas revelantes, seja em casos concretos, para efeito de julgamento de A, B ou C. Tudo isso é uma comunicação muito eficiente.

DW: Após quatro anos de Lava Jato, a primeira condenação de um político com mandato pelo Supremo só ocorreu há apenas um mês – o deputado federal Nelson Meurer (PP-PR). A demora que vem marcando o julgamento de políticos ocorre por problemas estruturais do STF ou existe algum fator político?

Devemos mesmo colocar em perspectiva estrutural porque é uma corte constitucional, então naturalmente ela não é vocacionada para investigações ou ações penais. Ela tem outro perfil. Então estruturalmente, não tem como a velocidade ser a mesma. Embora – e é preciso ser justo com o Supremo – no processo de algo do porte do mensalão, o Supremo deu uma resposta muito rápida para os padrões nacionais, inclusive de primeiro grau.

O julgamento do Supremo é definitivo, então, uma vez que o tribunal dá sua palavra em uma condenação, você caminha para uma conclusão final do processo, é diferente do processo de primeiro grau. Então, eu colocaria essa demora na questão estrutural, mas sei bem que todos ficam angustiados com ela.

DW: A Lava Jato ainda continua com muito apoio entre a população (mais de 80% em uma pesquisa de abril), mas algumas figuras, como Sérgio Moro, parecem ter se desgastado (pesquisa do instituto Ipsos aponta que a aprovação do juiz caiu 26 pontos percentuais no último ano). Há um temor de que a Lava Jato possa perder apoio popular?

Temos que caminhar justamente para que não precisemos mais de figuras emblemáticas, como foi o ministro Joaquim Barbosa em determinado momento, como o juiz Sérgio Moro em outro momento. Precisamos caminhar para que a resposta estatal seja algo previsível. O caminho natural é que não tenhamos mais essas figuras de 'heróis' – para usar essa expressão. E que a coisa fique no funcionamento normal das instituições.

Acredito que o apoio da população continua muito alto porque é um problema que toca muito fundo no brasileiro. E no momento a população vê um resultado, e um diferencial desse trabalho é que, com a legislação vigente, conseguimos obter respostas num tempo aceitável, conseguimos ter começo, meio e fim. A minha percepção é que as pessoas continuam empolgadas, vigilantes e acompanhando em busca de mais resultados.

DW: Quais são os riscos que a operação ainda corre, em especial no plano político?

Há um risco nos três meses após as eleições. Para citar um exemplo, entre os três meses do fim do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e o início do governo Lula foi aprovado uma reforma no Código de Processo Penal que previa foro prorrogativo criminal para ex-presidentes e para ações de improbidade de autoridades. Mais tarde, essa lei foi declarada inconstitucional pelo Supremo.

É um momento em que você tem muitos parlamentares que não conseguiram se reeleger, e a opinião pública já não tem um peso tão grande para essas pessoas. Mas, sinceramente, eu acredito que nós já estamos em outro patamar institucional, em que esse tipo de iniciativa não tem mais espaço no Brasil, considerando a organização da sociedade. Precisamos compreender que o Brasil está em evolução, mesmo que ela não seja linear.

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