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Rastros do passado alemão em Patópolis

Rafael Heiling (rr)12 de abril de 2005

Em um gibi do Mickey Mouse publicado recentemente, um exemplar do livro 'Minha Luta', de Hitler, aparece sobre um monte de lixo. Não é a primeira vez: nos gibis da Disney, sátiras ao passado nazista alemão são comuns.

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Huguinho, Zezinho e Luizinho: escoteiros como paródia nazistaFoto: Donald Duck

Entre um tambor quebrado, uma bicicleta velha e outros detritos, um livro se encontra exatamente no lugar em que ele merece estar: Minha Luta, diz o título na capa. Um detalhe quase imperceptível na história em quadrinhos Abril, Abril, estrelada pelo Pato Donald, na qual seus sobrinhos Huguinho, Zezinho e Luizinho remexem em um monte de lixo. Um balão de fala sobre o panfletário livro de Hitler diz: "Isso é sempre bom para uma piada de 1º de abril". Mas o episódio, publicado na edição alemã do gibi Mickey Mouse de 29 de março de 2005, causou furor.

Os bons tons de 1950

Comic: Donald Duck, 1. Bild
O livro de Hitler nem sempre pôde aparecer nos desenhos. Em versões mais antigas, como esta, o nome era apagado da capaFoto: TGDD 118, BL-WDC 18, MM 15/97

"A história foi escrita em 1948, é preciso lê-la com os olhos da época", explica Andreas Platthaus, "presidente de honra" da D.O.N.A.L.D., uma organização de donaldistas independentes sem fins comerciais. Ele analisou histórias do Pato Donald em busca de passagens nas quais o passado nazista alemão é satirizado. Muita coisa – inclusive o episódio contendo o livro de Hitler – já teve de ser retirada das edições alemãs.

Segundo Platthaus, o livro já estava contido na versão original americana, desenhada por Carl Barks. "Que os americanos façam piadas a respeito, é normal", disse Platthaus. Mas, segundo o donaldista, a tradutora para o alemão, Erika Fuchs – ela própria forçada a emigrar para escapar do nazismo –, também teria incluído uma série de alusões ao regime. "Como, por exemplo, a líder de um grupo de escoteiros que já fora auxiliar de cozinha no antigo Wehrmacht."

Comic: Donald Duck, Bild 2
Na primeira versão alemã, Donald falava de uma 'auxiliar do Wehrmacht'. Aqui, texto foi retocadoFoto: Donald Duck

Em outro episódio, os irmãos Metralha entoam uma melodia que imita uma canção nazista. Na história O cão de raça, um cachorro transporta entre os dentes um bastão de dinamite que roubou do veículo da empresa de demolições de Alfons Blitzkrieg Jr. Segundo Platthaus, até mesmo o nome dos irmãos Metralha em alemão – Panzerknacker, algo como "os rompe-blindagem" – foi baseado em armas nazistas.

"Devíamos poder rir disso tudo"

"Há duas ou três dúzias de alusões desse tipo", estima Platthaus. E elas não seriam de forma alguma mal-intencionadas, garante o presidente da D.O.N.A.L.D., o Dr. Patrick Martin. Sejam livros encontrados no lixo ou estruturas autoritárias em clubes de escotismo: "A Alemanha ainda tem uma maneira nada natural de lidar com o próprio passado. Zombarias desse tipo são importantes, porque devíamos poder rir disso tudo – dentro de um certo limite".

Donald, o construtor de granadas

Comic: Donald Duck, 5. Bild
Na versão de 62, os sobrinhos falavam 'Heil'. Nesta, a expressão foi substituída por 'Hallo'Foto: Donald Duck

Enquanto a ironia dos quadrinhos dos anos 50, que continuam sendo publicados ainda hoje, se esconde nos detalhes, os filmes da Disney produzidos durante a guerra veiculavam conteúdo claramente propagandístico contra o nazismo.

"O filme mais famoso é de 1943, O rosto do 'führer''', conta Platthaus. "Donald trabalha em uma indústria de armamentos na Alemanha nazista, onde é despertado toda manhã por uma banda militar e tem que saudar um busto de Hitler incessantemente. Na imagem final, ele aparece abraçando uma miniatura da Estátua da Liberdade."

Durante a guerra, outros heróis de histórias em quadrinhos também teriam sido representados como inimigos de Hitler. "Claro que há histórias em que o Super-Homem dava uma surra em Hitler", conta Platthaus. E Martin acrescenta que as histórias dos Looney Tunes, da Warner Brothers, também continham críticas ao nazismo.

"As crianças não se incomodam"

Conteúdos propagandísticos foram preservados nas histórias em quadrinhos da República Democrática Alemã (RDA). Por exemplo, na revista Fröhlich sein und singen (Ser feliz e cantar), publicada durante os anos 70. Com a exceção de que os heróis eram trabalhadores.

Mas Platthaus questiona que gibis sejam uma forma eficiente de transmitir ideologias políticas. Segundo ele, os jovens leitores não se incomodam ao encontrar o termo Wehrmacht em uma história. "Assim não se corrompe ninguém. No melhor dos casos, gera-se interesse", diz.

Isso valeria também para alusões políticas atuais. "Às vezes, autoridades são ridicularizadas ou são feitas alusões à reforma tributária, por exemplo. Ninguém se deixa irritar a respeito." Nem mesmo pelo fato de o prefeito de Patópolis ser representado por um porco.