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Rejeição de contas de Dilma fundamenta impeachment?

Marina Estarque, de São Paulo8 de outubro de 2015

Não há consenso entre juristas se rejeição cria base jurídica necessária para um processo de impedimento da presidente da República. Entenda os argumentos a favor e contra e o que pode acontecer após a decisão do TCU.

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Foto: Reuters/U.Marcelino

O Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou nesta quarta-feira (07/10), por unanimidade, a rejeição das contas de 2014 do governo Dilma Rousseff, o que deve ser usado pela oposição para fundamentar um pedido de impeachment da presidente.

Os ministros acompanharam o voto do relator do processo, ministro Augusto Nardes, em sessão extraordinária realizada no plenário do TCU. É a primeira vez que um balanço não é aprovado pelo tribunal desde 1937, durante o governo de Getúlio Vargas.

A rejeição das contas já era esperada pelo governo, que entrou com dois pedidos no Supremo Tribunal Federal (STF) para adiar o julgamento. No primeiro pedido, o Planalto alegou que o relator deveria ser impedido de participar do processo por ter emitido opiniões e antecipado o seu voto em entrevistas à imprensa.

No segundo pedido de adiamento, o Planalto queria que fossem ouvidas testemunhas relacionadas à suposta imparcialidade de Nardes. O pedido foi rejeitado pelo ministro do STF Luiz Fux e, logo antes do julgamento, uma sessão do TCU analisou o impedimento do relator e decidiu mantê-lo no processo.

O que foi julgado?

Na opinião do TCU, o Planalto cometeu uma série de irregularidades no orçamento de 2014. Entre elas, as chamadas "pedaladas fiscais", que foram um dos principais alvos do tribunal.

As pedaladas, manobras do governo para cumprir suas metas, consistem em adiar repasses a bancos públicos que, por sua vez, pagam benefícios sociais e previdenciários, como o Bolsa Família e o seguro-desemprego. Dessa forma, os bancos cobrem as despesas com recursos próprios e os beneficiários recebem o dinheiro em dia.

Para o TCU, é como se o governo tivesse tomado empréstimos de bancos, como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

O Planalto se defendeu dizendo que as pedaladas são práticas recorrentes, também verificadas no governo Fernando Henrique Cardoso, e não são ilegais.

O próprio ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, reconheceu, entretanto, que as pedaladas atingiram valores "excessivos e não usuais", e que o governo tentou minimizar tais manobras no segundo semestre de 2014.

Logo após a decisão do TCU, o Palácio do Planalto chamou de indevida a rejeição das contas e afirmou que órgãos técnicos e jurídicos do governo têm plena convicção de que não há motivos legais para a decisão.

TCU recomendou a rejeição, e agora?

A decisão do TCU é apenas uma recomendação ao Congresso, que pode aprovar ou não as contas.

Em agosto, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), decidiu colocar em votação contas dos governos Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva que ainda não haviam sido apreciadas. O objetivo era limpar a pauta para análise do balanço de 2014 da administração Dilma.

Após a aprovação das contas dos governos anteriores pela Câmara, entretanto, a senadora Rose de Freitas (PMDB), presidente da Comissão Mista de Orçamento do Congresso, contestou a votação no STF. Ela argumenta que os balanços precisam ser apreciados em sessões conjuntas entre a Câmara e o Senado.

A questão ainda está sob análise do tribunal, mas o ministro Luís Roberto Barroso decidiu, de forma provisória, não anular as votações já realizadas. Entretanto, ele concordou com a tese da senadora e recomendou que as próximas apreciações sejam feitas em conjunto entre a Câmara e o Senado.

Na prática, como ainda não há uma decisão do STF sobre como as contas devem ser votadas, a Câmara pode continuar com o procedimento atual. A determinação do STF é relevante porque o clima no Senado tem sido, pelo menos por enquanto, mais amigável ao governo do que o da Câmara, presidida por Cunha.

A rejeição de contas pode levar ao impeachment?

O principal pedido de impeachment, dos juristas Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo, menciona o escândalo de corrupção na Petrobras e as chamadas "pedaladas fiscais" como motivos para a retirada da presidente do cargo.

Apesar disso, não há consenso se a rejeição das contas no Congresso pode dar a base jurídica necessária para um processo de impeachment.

Para juristas contrários, um argumento é que as contas rejeitadas são de 2014, ou seja, do mandato anterior de Dilma. Segundo eles, a lei determina que um presidente só pode sofrer impeachment por atos cometidos durante o mandato atual.

Além disso, tais juristas defendem que é preciso ter fatos que vinculem diretamente o governante à prática criminosa, com dolo (intenção de agir), o que seria difícil de provar no caso das pedaladas.

Por outro lado, os juristas favoráveis à abertura do processo afirmam que crimes contra a lei orçamentária são passíveis de impeachment. De acordo com eles, a presidente teria responsabilidade pelas decisões da equipe econômica por ser chefe do governo.

Eles também acreditam que há possibilidade de pedir impeachment com base em crimes cometidos em outros mandatos.

O advogado Rubens Glezer, da Fundação Getúlio Vargas, diz que o parecer do TCU pode servir de fundamento para a abertura do processo de impeachment pelo Congresso ou um membro do Ministério Público pode instaurar investigação como crime comum realizado na atribuição da função.

"Só que, nos dois casos, existe a grande questão jurídica se a presidente pode ser responsabilizada por atos realizados no mandato anterior. Essa é a grande disputa jurídica que vai determinar tanto um processo de impeachment ou de crime comum no STF ao longo do segundo mandato. Caso se entenda que ela não pode ser responsabilizada agora, após o mandato ela poderia sofrer uma ação de improbidade ou outras ações penais".

Caso um processo de impeachment seja desencadeado, a decisão precisa ser aprovada por pelo menos dois terços dos deputados. Nas últimas semanas, o Planalto vem trabalhado intensamente para formar uma base de apoio, inclusive apostando numa reforma ministerial, com objetivo de barrar um processo de impeachment.

E o processo no TSE, pode derrubar a presidente?

O TSE reabriu nesta terça-feira uma das ações propostas pelo PSDB que pede a cassação dos mandatos de Dilma e de seu vice, Michel Temer (PMDB), que terão que apresentar suas defesas ao tribunal.

É a primeira vez que a ação, conhecida como Aime (Ação de Impugnação de Mandato Eletivo), é instaurada contra um presidente. O PSDB acusa a chapa de abuso de poder econômico e de usar dinheiro desviado da Petrobras para financiar a campanha.

Para que a ação prospere, o uso de recursos ilícitos precisa ser comprovado. Diferentemente de um impeachment, onde o vice assume, no caso da chapa ser condenada, Dilma e Temer teriam que deixar o cargo.

O presidente da Câmara assumiria provisoriamente, até a realização de novas eleições. Se uma eventual cassação de Dilma e Temer acontecer a partir de 2017, a eleição será indireta – o Congresso indica dois parlamentares para ocupar os cargos. Já houve casos também em que a Justiça Eleitoral autorizou a transmissão do cargo para o segundo colocado no pleito.