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Resistência civil é mais efetiva do que rebelião armada

29 de maio de 2013

A comunidade internacional não pode mais se deixar levar pela escolha entre compactuar com um ditador ou atacá-lo, diz Peter Ackerman, autoridade internacional em conflitos não violentos.

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Foto: Peter Ackerman

Desde o fim da Guerra Fria, há cada vez mais conflitos envolvendo cidadãos "normais", que querem derrubar líderes autoritários. Acredito que essa tendência vá se perpetuar. Os povos oprimidos parecem ter só têm duas alternativas: ou aceitam o status quo ou iniciam revoltas sangrentas.

Meu sonho é que, algum dia, todas as pessoas desse mundo prefiram o caminho da resistência civil ao da revolta armada. E espero que façam essa opção porque entenderam que a resistência civil, ou seja, o conflito isento de violência ou o uso do poder do povo, é um meio eficaz na luta pela liberdade.

Há dez anos, fundei o Centro Internacional de Conflitos Não Violentos (International Center on Nonviolent Conflict - ICNC), a fim de provar isso ao mundo. O ICNC divide suas experiências práticas com ativistas, cientistas, jornalistas e políticos. Essas experiências já ajudaram pessoas em 139 países. Elas queriam mudar seu futuro. Nossa meta é salvar incontáveis vidas que, caso contrário, possivelmente se acabariam em insurreições populares.

O exemplo sírio

É preciso apenas observar as duas fases do conflito sírio: de março a setembro de 2011, houve uma campanha de resistência civil que fragilizou o regime Assad mais do que nos 40 anos anteriores. Menos de 3 mil pessoas morreram nesta ação.

O sucesso dessa campanha encorajou à dissidência grande parte das Forças Armadas sírias, que acabaram se aliando aos ativistas da oposição. Infelizmente a resistência civil foi relegada a segundo plano numa fase posterior do conflito, pois muita gente estava erroneamente convencida de que não seria possível chegar às metas almejadas sem o uso da violência. E assim começou o combate armado para derrubar o regime.

Nessas alturas, o conflito já custou a vida de mais de 70 mil pessoas. E não se sabe quando essa guerra sangrenta irá acabar. Os opositores de Assad provaram sobretudo uma coisa: uma insurreição sangrenta não traz os resultados desejados.

Uma pesquisa realizada por especialistas, com o apoio do ICNC, trouxe a prova histórica de que uma resistência violenta não é muito eficaz. O estudo analisa as consequências de 323 ações violentas e não violentas entre 1900 e 2006. O resultado foi publicado no livro Why Civil Resistance Works (Por que a resistência civil funciona), de Erica Chenoweth e Maria Stephan.

As autoras receberam por isso o Prêmio Woodrow Wilson, da Associação Americana de Ciências Políticas (confederação dos cientistas políticos norte-americanos), pelo melhor livro publicado nos EUA sobre governo, política e relações internacionais.

A pesquisa concluiu que 53% de todas as campanhas civis de resistência foram bem-sucedidas, enquanto apenas 26% das revoltas violentas levaram aos resultados desejados.

Estratégia objetiva

Esses dados não surpreendem. A luta armada tem por objetivo matar todos os que de alguma forma estão ligados ao poder. Uma resistência civil mais sensata, contudo, distingue entre os poucos detentores do poder em uma sociedade e seus vários cúmplices, como burocratas, soldados e comerciantes, que levam a cabo os comandos que recebem ou simplesmente agem de maneira oportunista.

Com greves, boicotes e manifestações de massa, o movimento civil de resistência consegue angariar esses cúmplices para seu lado, forçando mudanças entre as lideranças. A estratégia de minar e anular o poder do opressor é mais promissora na luta contra uma ditadura bem armada do que uma guerra mútua de extermínio.

Da mesma forma, é muito mais provável construir um futuro democrático com uma resistência civil do que com a violência. Um estudo realizado em 2005, do qual sou um dos autores, leva o título How Freedom is Won (Como ganhar a liberdade) e identifica a resistência civil como fator-chave que levou 50 nações, de um total de 67, a passarem de regimes autoritários para a democracia entre os anos de 1972 e 2005.

Um total de 32 dessas 50 sociedades em transição, ou seja, 64%, passaram a ter governos que respeitavam em alto grau os direitos e as liberdades da população. Nos casos em que a resistência se deu, contudo, com o uso da violência, as chances de um desenvolvimento democrático caíram para 20%. Esses números falam uma língua clara, ou seja, nós podemos ter certeza de que a opção correta é a da "resistência civil".

A elite não é quem decide

A maioria dos especialistas aponta para o fato de que certas estruturas básicas não podem ser controladas por um movimento, mas podem ser determinantes para iniciar uma rebelião. Isto inclui a violência que um governante pratica contra seu povo, o grau de liberdade digital e se há ou não uma classe média na sociedade em questão.

Mas nem as minhas pesquisas nem outras conseguem detectar uma ligação entre estes fatores e o fim de conflitos isentos de violência. Muito pelo contrário: as táticas de um movimento, suas mensagens, sua disciplina, as coalizões seladas e outras ações são muito mais relevantes do que os obstáculos citados.

Durante a Primavera Árabe, cidadãos comuns tunisianos e egípcios expulsaram Zine al-Abidine Ben Ali e Hosni Mubarak de seus cargos – ao contrário do que era previsto pelos especialistas, que haviam se concentrado no comportamento das elites.

Há décadas, os especialistas se surpreenderam de maneira semelhante, quando um movimento de resistência civil pôs fim à hegemonia autocrática de Ferdinand Marcos nas Filipinas, ao governo do general Augusto Pinochet no Chile, tendo dado também o último golpe contra o regime comunista na Polônia e acabado com o apartheid na África do Sul, bem como com o domínio de Slobodan Milosevic na Sérvia.

O saber como fator-chave

Desde que escrevi meu doutorado sobre este assunto, há 35 anos, venho sendo testemunha de incontáveis rupturas iniciadas por movimentos não violentos – organizadas por pessoas que não queriam mais se deixar oprimir.

Muitas vezes, pude perceber que um movimento disciplinado pode desenvolver estratégias da resistência em massa, que podem exercer uma pressão insuportável sobre ditadores brutais, questionando sua legitimidade.

A comunidade internacional não pode mais se deixar levar pela escolha entre compactuar com um ditador ou atacá-lo. Em vez disso, é preciso aprender com a história. Pessoas oprimidas, que sabem exercer a resistência civil, podem reaver seus direitos por iniciativa própria. A violência que essas pessoas temem não precisa ser usada para pôr fim a um regime autoritário violento. Elas podem chegar à liberdade que tanto almejam se as ajudarmos a adquirir o saber necessário.

Peter Ackerman é o fundador do Centro Internacional de Conflitos Não Violentos (ICNC, na sigla original) e membro do Conselho de Relações Internacionais, um renomado think tanknorte-americano. Ele trabalha desde os anos 1980 como banqueiro e diretor da empresa privada de investimentos Rockport Capital. (sv)