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História

Rosa Luxemburgo, ícone e figura controversa da esquerda

15 de janeiro de 2019

Social-democrata, comunista e revolucionária: há um século, a política Rosa Luxemburgo foi assassinada. Ela permanece tão controversa quanto admirada – assim como seu contemporâneo Karl Liebknecht.

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Fotografia de 1907, restaurada com cores, da política Rosa Luxemburgo
A ativista, teórica e política Rosa LuxemburgoFoto: picture-alliance/Isadora/Leemage

Alemanha, cem anos atrás. A Primeira Guerra Mundial acabava de terminar, e o imperador estava foragido, mas o país ainda não estava em paz. No dia 9 de novembro de 1918, o deputado social-democrata Philipp Scheidemann proclamava a República Alemã. Mas a revolução, iniciada por soldados e apoiada por trabalhadores, ainda estava acontecendo – e a população continuava morrendo, porque alemães matavam alemães, cada um lutando pela forma de governo que ele ou ela acreditava ser a correta.

Em janeiro de 1919, a situação piorou. Manifestações em massa estavam na ordem do dia. O governo provisório da Alemanha – com o líder do Partido Social-Democrata (SPD, na sigla em alemão), Friedrich Ebert, à frente – era uma coalizão do SPD e do USPD, o Partido Social-Democrata Independente, mais radical. O SPD ficou sob tremenda pressão das ruas, aumentada pela criação, na virada do ano, do Partido Comunista Alemão (Deutsche Kommunistische Partei, ou KPD). Seus protagonistas eram dois ex-membros do SPD: Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo.

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Devido à sua postura antiguerra inflexível, os dois ficaram isolados na antiga legenda desde o início, depois que o SPD votou a favor de um empréstimo para o conflito em 1914 para financiar a Primeira Guerra Mundial. Luxemburgo e Liebknecht deixaram a agremiação e se filiaram ao USPD. No inverno revolucionário de 1918-19, por um breve período seu sonho de uma República Soviética socialista parecia estar se tornando verdade.

O modelo era a Rússia, onde a revolução de 1917 já havia sido bem-sucedida – mas onde ela desembocou rapidamente numa ditadura. Rosa Luxemburgo rejeitou essa evolução. Historiador em Hamburgo, Marcel Bois afirma em entrevista à DW que Luxemburgo sempre considerou democracia e socialismo "indissociáveis".

Bois explica que ela acreditava que, além da paisagem política, a economia alemã também deveria ser estruturada de forma democrática. Por isso elo apoiou o movimento soviético, mas foi contrária a um golpe de Estado. Esta também havia sido a posição inicial do KPD: seu manifesto declarou que o poder governamental jamais deveria ser assumido, exceto "por vontade clara e inequívoca da grande maioria das massas proletárias na Alemanha".

'Karl, esse ainda é o nosso programa?'

Historiadores da atualidade ainda discordam sobre o papel desempenhado pelos dois comunistas mais conhecidos da Alemanha no Levante Espartaquista, em janeiro de 1919. Marcel Bois acredita que o ímpeto primário veio de forças revolucionárias no setor industrial, e que Liebknecht "se permitiu ser levado pelo clima geral". Liebknecht tinha a intenção de derrubar o governo, enquanto Luxemburgo teria dito ao seu camarada: "Karl, esse ainda é o nosso programa?"

Esse episódio, segundo os relatos, indica como Luxemburgo e Liebknecht lutaram para decidir qual seria o curso "certo" a seguir. Com suas mortes violentas na época, a divisão da esquerda como um todo entrou numa nova fase, de turbilhões ainda maiores.

No dia 15 de janeiro de 1919, os dois revolucionários foram mortos brutalmente. Liebknecht foi assassinado a tiros por soldados do Freikorps, formado por extremistas de direita, mas que agiram pelas ordens do SPD, no poder. A versão oficial diz que ele foi morto "enquanto tentava fugir". Luxemburgo também foi morta a tiros, e seu corpo foi atirado no canal Landwehr, em Berlim.

Karl Liebknecht, cofundador da Liga Espartaquista, discursa diante de massa de pessoas em 1918, em Berlim
Karl Liebknecht foi cofundador da Liga EspartaquistaFoto: Getty Images/Boury/Three Lions/Hulton Archive

'A liberdade é sempre a liberdade dos dissidentes'

Socialistas e comunistas ainda realizam um protesto silencioso anual em memória de Rosa Luxemburgo. Milhares de pessoas fazem uma peregrinação ao memorial socialista no bairro Friedrichsfelde de Berlim – normalmente no segundo domingo de janeiro.

Durante os anos em que a Alemanha ficou dividida, o regime comunista do leste insistia em manter o ritual – uma contradição em si, já que lembrava uma mulher e um homem que rejeitaram uma ditadura de um partido único. Desde o primeiro dia, a ex-República Democrática da Alemanha (RDA), ou Alemanha Oriental, com seu todo-poderoso partido único SED (Partido Socialista Unitário), foi precisamente isso.

O historiador Marcel Bois, especialista em comunismo, lembra que próximo ao fim da antiga RDA, dissidentes decidiram invocar a memória de Liebknecht e Luxemburgo. No ano que antecedeu a queda do Muro de Berlim em 1989, eles usaram a cerimônia tradicional para desafiar o governo estatal, carregando banners que exigiam mudanças sociais radicais e que ostentavam citações da própria Rosa Luxemburgo. Um dos slogans foi seu famoso comentário feito em crítica à Revolução russa: "A liberdade é sempre a liberdade dos dissidentes".

Foto em preto e branco do funeral de Rosa Luxemburgo em 13/06/1919 mostra homens carregando coroa de flores no cemitério de Berlim-Friedrichsfelde
Enterrado em junho de 1919, corpo de Luxemburgo foi encontrado meses após morteFoto: picture-alliance/akg-images

Fundação Rosa Luxemburgo, uma 'pequena forma de reparação'

Hoje em dia, o legado espiritual de Rosa Luxemburgo é mantido pela fundação que leva seu nome. A diretora da organização, Dagmar Enkelmann, acredita que batizar a instituição, politicamente próxima do partido A Esquerda, com o nome da revolucionária assassinada foi "uma pequena forma de reparação".

Em entrevista à DW, Enkelmann disse que é lamentável que a Alemanha Oriental tenha colocado Luxemburgo "num pedestal". Como resultado, afirma, as pessoas na época prestaram muito pouca atenção a suas ideias teóricas, que podem ser consultadas em seus artigos de jornal e nas cartas que escreveu.

Olhando para as próximas eleições legislativas europeias, marcadas para maio deste ano, Enkelmann diz lembrar com desconforto da desunião que sempre parece assombrar a esquerda. Atualmente, não está claro se a esquerda será capaz de se unir para formar uma bancada parlamentar conjunta.

Para Enkelmann, que é ex-deputada pela legenda A Esquerda, partidos de direita rapidamente conseguem chegar a um acordo. Ao mesmo tempo, 200 anos de experiência mostram que "a esquerda política sempre é muito rápida em construir barricadas em seu próprio interior" e trabalha muito pouco "no que realmente nos une". Rosa Luxemburgo também passou por essa experiência – e pagou por ela com sua vida.

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Marcel Fürstenau
Marcel Fürstenau Autor e repórter de política e história contemporânea, com foco na Alemanha.