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Saindo da crise, Irlanda acompanha impasse grego de perto

Peter Hegarty (ca)18 de fevereiro de 2015

Com uma dívida pesada e quase insustentável para seus padrões, país segue, com grande interesse, a campanha grega em prol de condições mais favoráveis para o pagamento de seu débitos com a troica.

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Das Viertel Grand Canal Dock in Dublin
Foto: DW/Peter Hegarty

Os preços de imóveis estão subindo na Irlanda, especialmente em bairros elegantes da capital, como no remodelado Grand Canal Dock, na entrada da Baía de Dublin. Antes desolada, a área se tornou um lugar de arquitetura inovadora e apartamentos luxuosos, bares e restaurantes à beira d'água. Nas docas, mensagens de fãs adornam as paredes do estúdio do grupo U2. O movimentado bairro é dominado pelos prédios de escritórios, que abrigam, por exemplo, as sedes europeias do Facebook e da Google.

O ar de prosperidade na "Doca do Silício" e o fluxo contínuo de novos investimentos parecem confirmar que o país "não é mais um dos Piigs", como escreveu o jornal Irish Independent em editorial. O acrônimo costuma ser usado pela imprensa de língua inglesa, de forma pejorativa, para se referir às economias em crise na Europa – Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha.

A troica que supervisionava as reformas no país – formada por Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional – é agora somente uma má recordação. De um pico de 15%, a taxa de desemprego caiu para abaixo dos 11%. A emigração continua um problema social agudo, sobretudo no oeste e sul da Irlanda. Entre abril de 2013 e abril de 2014, 40 mil pessoas deixaram o país, mas a cifra está caindo com a recuperação da economia.

Mas, como a Grécia, a Irlanda está carregando uma dívida pesada e, possivelmente, insustentável. O país gasta anualmente duas vezes mais pagando dívidas do que nos investimentos em infraestrutura. E, com frescas e vívidas lembranças do cotidiano numa economia à deriva, os irlandeses compreendem muito bem as dificuldades que os gregos estão passando. Desemprego em massa e emigração de jovens é algo conhecido para ambos.

Irland Dublin Demonstration Gegen Wassergebühr 01.11.2014
Irlandeses protestam contra aumento da tarifa da águaFoto: picture-alliance/AP Photo/Peter Morrison

Um grande número de pessoas, tanto na Grécia quanto na Irlanda, depende da caridade alheia. A austeridade econômica – e os novos impostos e taxas que isso acarreta – levou centenas de milhares de pessoas a protestar nas ruas de Dublin e Atenas.

Desde que a recessão teve início, a Grécia tem servido como um alento para a Irlanda, um lembrete de que, apesar de ruim, a situação poderia estar muito pior.

Apoio a Atenas

David Hall diz entender muito bem o pedido dos gregos por alívio. Ele fala do horror nos rostos de milhares de famílias vindo até ele pedir ajuda para negociar com um panorama bancário disfuncional: durante a recessão, Hall criou a Organização Irlandesa de Titulares de Hipotecas, uma iniciativa sem fins lucrativos. Sem nenhum custo, ele aconselha pessoas sobre como entrar em falência, e a ganhar a proteção dos credores. Como muitos, ele nutre certa simpatia pelos esforços do novo governo grego para chegar a um recomeço.

Existe um amplo consenso na mídia irlandesa de que a Grécia merece algum alívio, mas o governo tem se mantido fortemente contrário a um perdão da dívida. Essa oposição endureceu na semana passada, quando o ministro irlandês das Finanças, Michael Noonan, relatou a uma comissão parlamentar que não iria apoiar qualquer corte da dívida. Noonan afirmou que, aparentemente, o governo grego estaria fazendo propostas "impossíveis" para combater o déficit iminente de financiamento.

"Noonan tem certa razão", diz Allan Gregory em seu antiquário de livros na via Georgian Waterloo, no centro de Dublin. A venda de livros se tornou um difícil negócio durante a recessão, e continua precário, apesar da retomada da economia: a queda da cotação do euro aumenta continuamente a compra de livros raros importados do Reino Unido e dos EUA, num momento em que os colecionadores estão pensando em novamente ir às compras.

Allan Gregory
Para livreiro Allan Gregory, corte da dívida grega iria irritar o povo irlandêsFoto: DW/Peter Hegarty

Gregory afirma que oferecer à Grécia um acordo especial seria errado, em tempos ainda difíceis para pessoas como ele. "Haveria um clamor do povo irlandês se, por alguma razão, a administração europeia decidisse aliviar a Grécia de suas responsabilidades", diz.

Segundo ele, qualquer concessão "poderia ser mais uma razão para que um irlandês comum se levantasse e fosse se juntar às multidões na O'Connell Street" – numa alusão às recentes manifestações na principal rua de Dublin contra as tarifas de água.

"Responsabilidade começa em casa"

Seamas Coffey, economista da College York, tem sido uma das poucas vozes a argumentar que a Irlanda – e a Grécia – não deve culpar organizações internacionais pelos erros cometidos em Dublin ou Atenas.

A responsabilidade começa em casa, afirma, e empréstimos irresponsáveis por parte de bancos irlandeses e a pouca regulação financeira estão no centro das dificuldades do país.

Segundo o economista, o discurso proveniente de Atenas faz com que o povo irlandês ignore o fato de que o real problema da Grécia não é tanto o endividamento, já que a quantia a ser paga pela Grécia para cobrir a dívida é baixa.

Coffey afirma que o problema está "num sistema econômico que não funciona". De acordo com ele, prazos mais longos ou algum corte da dívida seriam bem-vindos, mas os problemas estão em outro lugar.

O que a Grécia precisa, diz Coffey, não é tanto o alívio da dívida, como um fim da incerteza, mas um senso de estabilidade, como está acontecendo agora na Irlanda.