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Senado instala CPI da Pandemia sobre governo Bolsonaro

27 de abril de 2021

Em minoria, governo deverá responder por atraso na vacinação e falta de oxigênio, entre outros temas. Cientistas políticas apontam "risco altíssimo" para o Palácio do Planalto.

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Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello em frente a fundo branco
Ex-ministro da Saúde, Pazuello deve ser um dos primeiros alvos da CPIFoto: Alan Santos/PR

A instalação da CPI da Pandemia pelo Senado nesta terça-feira (27/04) marca o início de uma nova fase no conflituoso combate à covid-19 no Brasil. Os senadores que integram o colegiado terão poderes para investigar ações e omissões do governo federal no enfrentamento da doença, que já deixou 391 mil mortos no país.

A CPI desperta preocupação no presidente Jair Bolsonaro e em seu entorno. A maioria dos 11 membros do colegiado é considerada independente ou de oposição ao governo, e esses senadores terão poder para convocar pessoas para depor, ouvir testemunhas, requisitar documentos e quebrar sigilos.

O trabalho da CPI deve levar à revelação de novas provas sobre a atuação do governo federal na pandemia, em temas como demora na compra de vacinas, falta de oxigênio hospitalar em Manaus e de medicamentos para fazer a intubação de pacientes e produção e incentivo ao uso de drogas não recomendadas para tratar a doença.

A comissão não pode denunciar alguém criminalmente, mas a divulgação de novos documentos e a fiscalização do governo pelo Congresso tem potencial para aumentar a rejeição a Bolsonaro e estimular mobilizações contra o presidente, segundo cientistas políticas ouvidas pela DW Brasil.

Como funcionará

A comissão será presidida pelo senador Omar Aziz (PSD-AM), considerado independente em relação ao governo. Ele será responsável por conduzir os trabalhos e pautar os requerimentos para convocar pessoas ou quebrar sigilos, por exemplo.

Na sua ausência, Aziz será substituído pelo vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), opositor ferrenho de Bolsonaro e quem propôs inicialmente a criação da CPI.

O senador Renan Calheiros (MDB-AL), que tem adotado postura crítica a Bolsonaro, será o relator. Caberá a ele resumir os principais achados da CPI no seu relatório final e elaborar uma conclusão e recomendações.

Na segunda-feira (26/04), um juiz da primeira instância da Justiça de Federal do Distrito Federal concedeu uma liminar para proibir Renan de assumir a relatoria, mas o Senado decidiu ignorar a decisão por entender que ela não tinha base jurídica.

A comissão se organizará de forma semipresencial e terá prazo de funcionamento de 90 dias, que poderá ser estendido. Ao final, o relatório é votado por seus integrantes e pode ser encaminhado ao Ministério Público para eventual proposição de ações civil ou criminais.

Trajetória da investigação

Sete dos 11 membros titulares da CPI são independentes, que já se aliaram ao governo em diversas votações mas discordam da sua condução na pandemia, ou de oposição. Além de Aziz, Renan e Randolfe, estão nesse grupo Eduardo Braga (MDB-AM), Otto Alencar (PSD-BA), Tasso Jereissati (PSDB-CE), considerados independentes, e Humberto Costa (PT-PE), de oposição.

Randolfe já divulgou uma lista com 18 temas para serem abordados pela CPI, que incluem o atraso na compra de vacinas e a recusa de uma oferta da Pfizer feita em agosto de 2020, a produção e recomendação do uso de cloroquina sem base científica, inclusive por um aplicativo desenvolvido pelo Ministério da Saúde, e a falta de oxigênio hospitalar em Manaus.

Outros temas que devem ser abordados na CPI são a falta de estratégias para proteger a população indígena e posições contrárias ao isolamento social e ao uso de máscaras.

Renan quer também que a CPI peça ao Supremo Tribunal Federal o compartilhamento de dados dos inquéritos das fake news e atos antidemocráticos, para avaliar se houve apoio financeiro para divulgar informações falsas recomendando o uso de medicamentos sem eficácia contra a covid.

A CPI deve contar ainda com documentos reunidos pelo Tribunal de Contas da União e pelo Ministério Público Federal, que já conduziram investigações sobre a atuação do governo na pandemia.

Um dos primeiros atos do colegiado deve ser a convocação dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello – este último, fiel cumpridor de ordens do presidente e já sob investigação da Polícia Federal sobre a crise de oxigênio, deve ser um dos principais alvos no início da CPI.

Renan Calheiros em close
Renan Calheiros será o responsável pelo relatório final da CPIFoto: Agência Brasil/Fabio Rodrigues Pozzebom

Situação do Planalto

O governo tem três aliados certos na comissão: Ciro Nogueira (PP-PI), líder do Centrão, Marcos Rogério (DEM-RO) e Jorginho Mello (PL-SC). Eduardo Girão (Podemos-CE), que se lançou para presidente da CPI e foi derrotado, é autor de um requerimento para incluir prefeitos e governadores no escopo do colegiado, como deseja Bolsonaro, mas nesta segunda declarou-se independente ao governo.

O Palácio do Planalto montou um comitê de crise para enfrentar a comissão, e a Casa Civil, sob comando do ministro Luiz Eduardo Ramos, elaborou uma lista de 23 acusações sobre as quais o governo poderá ser questionado. Para justificar a demora na compra de vacinas, por exemplo, o governo deve alegar que a escassez do imunizante é um problema mundial.

O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, também foi designado para atuar na articulação política com o Senado. O governo seguirá tentando negociar com os senadores independentes para tentar minimizar danos.

"Perigosa" para o governo

A cientista política Argelina Cheibub Figueiredo, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e autora de uma pesquisa que analisou as CPIs instaladas na Câmara dos Deputados de 1946 a 1964 e de 1988 a 2002, afirma que toda comissão é, no mínimo, "incômoda" para o governo, e em alguns casos se torna "perigosa".

A CPI da Pandemia, segundo ela, é uma das que trazem perigo ao ocupante do Palácio do Planalto. Um dos motivos é a relação instável de Bolsonaro com o Congresso, sem uma coalizão firme de partidos, que se refletiu no fato de o presidente não ter conseguido assegurar uma maioria de apoiadores entre os membros da comissão.

"Impedir uma CPI depende muito do nível de apoio que o presidente tem na Casa onde ela está ocorrendo, e Bolsonaro não tem isso. Nível de apoio não é essa relação que ele vem cultivando com o Centrão. O Centrão é muito flexível, ele caminha de acordo com a onda. É muito diferente de ter uma coalizão em que você até tenha partidos que estejam mais interessados em benesses, mas que fazem parte de uma relação sistemática com o governo", afirma, prevendo que o governo não terá "escapatória" de ser duramente questionado na CPI.

Tema "tangível" para o eleitor

Além da falta de uma base sólida no Legislativo, o governo tem diante de si um contexto único e desfavorável, diz Magna Inácio, professora de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista na relação entre Legislativo e Executivo.

"Com quase 400 mil mortos, politicamente é muito mais difícil [controlar a CPI]. E os parlamentares também estão pressionados pelos eleitores e por aqueles que são alvos da retórica presidencial, os governadores e prefeitos", diz. "Esta é uma CPI de altíssimo risco para o governo. Temos um presidente fraco no Parlamento, e isso já se manifestou na composição da CPI."

Outro aspecto que potencializa o impacto da comissão é seu tema, muito "tangível" para o eleitor, diz a professora da UFMG. "Não estamos falando da CPI dos Bingos ou da compra de uma refinaria nos Estados Unidos, que é algo pouco concreto para o eleitor. É sobre algo que as pessoas vivenciaram, os debates têm grande potencial de ter um efeito de mobilização", diz.

Ela afirma que CPIs são um instrumento regular das democracias, à disposição das minorias, e que podem ser favoráveis aos eleitores ao propiciarem a devida fiscalização dos governos. Algumas têm impacto profundo na política, enquanto outras acabam sem grandes resultados. 

Levantamento de provas

Figueiredo, da UERJ, também considera as circunstâncias da instalação da CPI da Pandemia particulares, com alto número de "mortes evitáveis" e um comando evidente do presidente sobre as ações do Ministério da Saúde. Mas, em termos da relação entre o Planalto e o Congresso, ela identifica um paralelo com a CPI que investigou o esquema de PC Farias em 1992, no governo Fernando Collor.

A CPI era controlada pelo principal partido de oposição à época, o PMDB, e criou elementos que acabaram forçando a renúncia do presidente. Figueiredo menciona que a comissão foi instalada em junho e, após a coleta de provas do esquema e de depoimentos, como o do irmão do presidente, Pedro Collor, os movimentos de rua começaram três meses depois, em agosto.

"O clamor popular não é condição para que uma CPI seja bem sucedida. É a CPI que levanta as provas que expõem o governo em relação aos problemas que ela está investigando", diz.

Bolsonaro segue com apoiadores poderosos no Congresso, porém. Na segunda, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Centrão, fez críticas à instalação da CPI pelo Senado. Segundo ele, a investigação agora seria uma "perda de tempo" e "o Congresso não é delegacia de polícia".