1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Silêncio e censura em Pequim após denúncias sobre paraísos fiscais

Esther Felden / Yunching Chang (ca)23 de janeiro de 2014

Com ajuda de empresas de fachada, magnatas, políticos de primeiro escalão e seus parentes teriam tirado da China trilhões de euros. Revelação foi noticiada em todo o mundo, menos na imprensa chinesa.

https://p.dw.com/p/1AwHK
Foto: AP

A gripe aviária, as relações sino-japonesas e o estado de emergência em Bangkok – esses e outros temas foram tratados no site do jornal chinês Global Times na quarta-feira (22/01). Na agência estatal de notícias Xinhua, a situação não era diferente. Nada estava escrito sobre as recentes revelações do chamado "Offshore-Leaks", os vazamentos de dados sobre paraísos fiscais das autoridades de Pequim.

O Offshore-Leaks abrange um total de 260 gigabytes de dados divulgados anonimamente, em 2011, pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ) – organização com sede em Washington com membros em mais de 60 países.

A cooperação internacional responsável pela divulgação dos dados aponta graves denúncias contra diversos membros da liderança comunista em Pequim. De acordo com os dados avaliados, há anos a elite política chinesa vem realizando negócios lucrativos através de firmas de fachada em paraísos fiscais. Políticos de primeiro escalão estariam envolvidos.

A lista de denúncias é longa. Ela contém, por exemplo, o nome de um parente do atual presidente Xi Jinping e de familiares de seu antecessor, Hu Jintao. Suspeita-se também que parentes dos ex-chefes de governo Wen Jiabao e Li Peng estejam envolvidos em transações secretas no Caribe. Há ainda na lista diversos membros do Parlamento, dirigentes e algumas das pessoas mais ricas do país.

Longa investigação

Desde julho de 2013, jornalistas da Europa, EUA, Hong Kong e Taiwan vêm analisando uma montanha de dados referentes à China – depois de o país ter sido deliberadamente excluído de publicações anteriores do Offshore-Leaks. O motivo: como um grande número de nomes listados era de chineses, decidiu-se investigar separadamente a República Popular da China. Na Alemanha, as pesquisas ficaram a cargo de jornalistas do jornal Süddeutsche Zeitung e da emissora NDR.

China Hu Jintao und Xi Jinping
Também parentes do presidente Xi Jinping e de seu antecessor Hu Jintao estão na lista de Offshore-LeaksFoto: picture alliance/Photoshot

"Na primeira etapa, criamos listas de pessoas que podiam ser interessantes para nós: parentes de políticos de alto escalão, bilionários ou estrelas do mundo dos espetáculos", explicou à DW o jornalista Christoph Giesen, do Süddeutsche Zeitung. Os nomes em questão foram então comparados pelos redatores com os documentos do Offshore-Leaks.

Segundo dados do ICIJ, existem informações sobre mais de 122 mil empresas de fachada ou sociedades comerciais em paraísos fiscais. No total, foram constatados 130 mil nomes ligados a tais firmas e trustes. "E, desses, mais de 35 mil são chineses", disse Giesen.

Mais de 20 mil empresas

O trabalho não foi fácil, disse o jornalista. Um dos maiores desafios foi verificar e classificar claramente os nomes. "Eles sempre aparecem somente na transcrição, não em caracteres chineses." Desde o início, os jornalistas suspeitavam que suas pesquisas não passariam despercebidas pela liderança chinesa. Por motivos de segurança, a comunicação entre o grupo aconteceu somente através de e-mails codificados e um fórum criptografado num servidor alemão.

Symbolbild Steueroasen British Virgin Islands
Ilhas Virgens Britânicas e Ilhas Cook são populares paraísos fiscais no CaribeFoto: Fotolia/Trueffelpix

O resultado ultrapassou todas as expectativas. "Na lista estão os nomes mais importantes dos últimos 30 anos. Isso é realmente algo único", contou Giese.

De acordo com a publicação do ICIJ, estão listadas na coleta de dados mais de 21 mil empresas offshore de clientes da República Popular da China e Hong Kong. Entre outros lugares, elas estão nas Ilhas Virgens Britânicas, na Ilhas Cook e em Samoa. Estima-se que, desde 2000, fundos e ações de empresas no valor de quase 3 trilhões de euros (cerca de 9,6 trilhões de reais) foram levados para fora da China.

Sites bloqueados

As revelações do ICIJ não se encaixam na imagem com a qual o próprio governo chinês gosta de se apresentar – uma liderança popular que representa as pessoas comuns. A ausência de notícias na mídia estatal e a tentativa do Partido Comunista de não deixar as informações entrar no país provam que as revelações são realmente desagradáveis para Pequim.

Por exemplo, sites de parceiros internacionais da imprensa do Offshore-Leaks foram bloqueados pelo governo chinês. A medida afetou, além do Süddeutsche Zeitung, os jornais El País (Espanha), Le Monde (França) e The Guardian (Reino Unido).

O Süddeutsche Zeitung pôs na web seu relatório não somente em língua alemã, mas também numa versão em chinês – que não pode ser acessada pelos usuários na China. Já na noite de quarta-feira, a liderança chinesa tomou providências. "Desde então, a versão online do Süddeutsche Zeitung está censurada na China. Isso se refere à versão internacional e à página em alemão", escreveu o site do jornal.

Symbol Offshore Leaks
Jornalistas de mais de 60 países participam do ICIJFoto: picture alliance/APA/picturedesk.com

Embora o tema seja quase inexistente na China, as revelações do Offshore Leaks ocupam as manchetes dos jornais e dos portais de internet de Hong Kong.

"O público por aqui não está particularmente surpreso", disse à DW Serenade Woo, correspondente para a região Ásia-Pacífico da Federação Internacional de Jornalistas. Segundo ela, a reportagem somente aprofundaria notícias já conhecidas. "A China é um buraco negro, cujo sistema é uma incógnita para todos. Por isso, isso não nos espanta."

Sob o título Truques dos príncipes vermelhos, o Süddeutsche Zeitung vai trazer novas reportagens sobre o tema no decorrer da semana. O ICIJ, segundo Christoph Giese, coletou outras informações explosivas. "Nos próximos dias, forneceremos novas informações sobre a China", disse o jornalista alemão.