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Sobras de alimentos viram aliadas no combate à obesidade infantil no Brasil

Magali Moser5 de junho de 2013

Multimistura, que ganhou destaque mundial por salvar crianças da desnutrição, dá lugar ao reaproveitamento de alimentos e ao combate ao desperdício com a meta de reduzir a obesidade infantil.

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Foto: DW

Há 30 anos, uma mistura que aproveitava sobras de alimentos começava a mudar as estatísticas de destrunição no Brasil. "A multimistura foi vista como 'poção mágica'. Naquela época, Zilda Arns tinha como meta o combate à mortalidade e à desnutrição infantil", lembra Paula Pizzato, nutricionista da Pastoral da Criança.

O composto feito à base de farelo de trigo, pó da casca de ovo e folhas de mandioca deu à Pastoral da Criança reconhecimento mundial. Com a médica Zilda Arns à frente do projeto, a multimistura salvou a vida de milhares de crianças no Brasil. Mas a história mudou: o crescimento econômico do país se refletiu nos hábitos alimentares dos brasileiros.

"Hoje, com a mudança do quadro, o desafio é outro", relata Pizzato. Isso exigiu um novo foco para o organização, que atende 1,4 milhão de famílias em todo o país. O reaproveitamento das sobras alimentares agora tem como destino o combate à obesidade infantil e a reeducação alimentar.

Da desnutrição ao sobrepeso

Metade da população brasileira apresenta sobrepeso. As crianças são especialmente atingidas, com triglicerídeos, pressão e colesterol altos. O projeto piloto com a mudança de perfil do programa ocorreu em 2009. Na época, pesquisas mostraram que a multimistura não melhorava o quadro nutricional das crianças no que se refere à taxa de ferro e prevenção da anemia.

De acordo com a própria Pastoral da Criança, a receita da multimistura tradicional, que leva farelo de trigo (30%); farelo de arroz (30%); farinha de milho (15%); farinha de trigo (10%); casca de ovo (5%), pó de folha de mandioca (5%) e sementes de abóbora ou girassol (5%) não combate a anemia.

"A orientação não é usar a multimistura de forma indiscriminada. Com o sobrepeso, não é indicado", confirma a nutricionista. Segundo ela, os estudos mostraram que apenas um conjunto de ações pode realmente salvar a criança e melhorar seu estado nutricional, incluindo a vacinação e o acompanhamento pré-natal.

Para a presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), Emília Pacheco, a mudança de foco de atuação da Pastoral da Criança é um reflexo da realidade do país, que diminuiu a desnutrição infantil nos últimos anos, mas também viu crescer os índices de obesidade entre crianças.

"O alcance e a credibilidade da Pastoral, que foram fundamentais na redução da desnutrição entre as crianças, serão importantíssimos na articulação de ações – do governo e da sociedade - para o controle, prevenção e redução da obesidade infantil" , defende Pacheco.

Aproveitamento de sobras

Apesar da mudança de estratégia, o aproveitamento das sobras alimentares continua sendo prioridade para a Pastoral. Uma das receitas difundidas é a sopa de talos, com ingredientes que normalmente iriam para o lixo. "É sabido que cascas, folhas e talos dos alimentos contêm grande quantidade de fibras e nutrientes, mas essas receitas ainda são vistas com muita surpresa", conta Paulo Pizarro.

A esperança de mudança do quadro também se dá com hortas caseiras. O maior desafio para diminuir o desperdício de alimentos no Brasil, na avaliação da nutricionista, é aumentar o consumo de alimento natural, que ainda é muito pequeno quando comparado ao alimento industrializado. "Muita gente é capaz de vender a laranja produzida no quintal para comprar um refrigerante", ironiza. "Quando crescemos numa família acostumada a comer só a polpa das frutas, somos condicionados a fazer o mesmo."

Para a representante da Pastoral da Criança no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Aldenora Pereira da Silva, o combate ao desperdício alimentar exige ações permanentes.

"Se conseguíssemos educar o povo para não desperdiçar alimentos, não teria tanta gente passando fome", defende. Segundo ela, há 16 milhões de pessoas no país nesta condição. No mundo, são 800 milhões. "Eu faço a seguinte reflexão: eu moro em João Pessoa (PB), aqui são 800 mil habitantes. Se cada habitante deixar um grão de arroz em cada refeição, serão 800 mil grãos de arroz desperdiçados." E conclui: "Trabalhamos para não desperdiçar nem um grão de arroz."

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Promover uma alimentação saudável, equilibrada e variada é o desafio da Pastoral da CriançaFoto: picture-alliance/dpa

Alimentação alternativa

A Pastoral da Criança iniciou o trabalho de "alimentação alternativa" em 1985. A organização sofreu forte influência da médica Clara Takaki Brandão, que lançou livro de mesmo nome em 1988. Para ela, os produtos utilizados na multimistura deveriam ter alto valor nutritivo, baixo custo, bom paladar e produção regionalizada.

As atuais ações da Pastoral da Criança envolvem informações sobre capacitação de reaproveitamento total de alimentos, alimentação saudável e hortas caseiras. Na opinião da nutricionista, aplicar essa estratégia é ainda mais difícil com a disseminação de produtos industrializados, com açúcares e gorduras em excesso. "A praticidade conta muito. Abrir um pacote de biscoito e comer é muito mais fácil que fazer um suco e lavar a louça", conclui.

Um documentário lançado ano passado no Brasil discute a problemática da obesidade infantil, classificada como "epidemia" no país. Intitulado Muito além do peso, o trabalho assinado pela cineasta Estela Renner reflete os motivos que levam 33% das crianças brasileiras a pesarem mais do que o indicado.

"Se a Pastoral da Criança conseguir diminuir o sal, o açúcar e a gordura na alimentação das famílias acompanhadas, já estará fazendo um grande trabalho nesse país", defende Silva.