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Solidariedade e egoísmo: as duas faces da pandemia

Julia Vergin | Fernanda Azzolini
1 de abril de 2020

De um lado, corrida aos supermercados para estocar alimentos e papel higiênico. Do outro, disposição para ajudar os vizinhos mais velhos. Epidemia de Sars-Cov-2 evidenciou duas características bem opostas do ser humano.

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Die helfende Hand
Foto: picture-alliance/dpa/J. Kalaene

Quando fazia compras no supermercado, a estudante alemã Lena Schütz viu um idoso diante de uma prateleira vazia onde antes estavam produtos enlatados. Ele ficou lá parado por um tempo, até ir embora sem achar o que procurava. "Esse homem provavelmente teve que ir a vários estabelecimentos até conseguir tudo o que precisava. Isso me deixou pensativa", conta Lena.

A pandemia de Sars-Cov-2 tornou uma característica humana claramente visível: o egoísmo. O "eu em primeiro lugar" parece ser uma mentalidade comum em tempos de quarentena. Apesar dos inúmeros apelos oficiais de que estocar produtos não é necessário, e nem socialmente aceitável, em muitos supermercados é difícil encontrar papel higiênico, farinha ou produtos enlatados.

A recomendação é que aqueles que fazem parte do grupo de risco não saiam de forma alguma de casa para evitar o contato com pessoas potencialmente infectadas. E para conectar quem quer ajudar com aqueles que precisam de ajuda, Lena Schütz e Ana-Lea Eberleh fundaram em meados de março um grupo de ajuda no Facebook para os moradores da cidade de Bonn, na Alemanha. "Em quatro horas, já tínhamos 400 membros", contam. Até o momento, mais de 1.300 pessoas já se juntaram ao grupo.

Disposição para ajudar

A crise causada pelo novo coronavírus também tornou evidente uma outra característica humana: a solidariedade. Seja em formato digital, por meio das redes sociais, seja analógico, em um mural de avisos: a oferta de ajuda é diversificada e vai desde assistência com compras até ajuda para passear com o cachorro, ou trabalho voluntário em hospitais.

Será que a pandemia está separando a sociedade entre os egoístas e os altruístas? Entre as pessoas solidárias e as que compram papel higiênico aos montes? "A realidade é muito mais complexa", comenta a psicóloga Anne Böckler-Raettig, da Universidade de Würzburg, na Alemanha. Ela pesquisa o chamado comportamento pró-social, que inclui a disposição em ajudar no caso de crises como a atual.

"O comportamento pró-social tem muitas facetas e cada pessoa tem seu próprio repertório. Todos somos às vezes muito egoístas. E às vezes somos muito justos, cooperativos e pró-sociais", afirma a psicóloga.

A diversidade do pró-social

"Muitos membros do grupo contribuem com suas próprias experiências e estabelecem prioridades individuais", comenta Lena. Uns querem fazer algo pelos moradores de rua, outros pelos agricultores, e alguns querem apoiar os cuidadores. "Um membro se ofereceu para falar ao telefone com pessoas que têm dificuldade em lidar com o isolamento", conta Ana. "Isso realmente me tocou."

As motivações por trás da prontidão em ajudar e dedicar tempo, energia, informação ou dinheiro para o próximo são quase tão variadas quanto as ofertas de apoio. 

Altruísmo e empatia

"O primeiro pensamento que vem à cabeça quando estamos prontos para ajudar é: queremos reduzir o sofrimento de outra pessoa e deixá-la em uma situação melhor. É o que chamamos de motivação altruísta", diz Böckler-Raettig.

Se a vontade puramente altruísta de ajudar e de ter em mente apenas o bem-estar de outra pessoa realmente existe é uma questão controversa. Böckler-Raettig resume como altruísmo todas as motivações que "têm a intenção de fazer o bem ao próximo".

Quando Lena viu o senhor idoso parado em frente à prateleira vazia do supermercado, ela se colocou no lugar dele: o que eu esperaria que fizessem por mim em tal situação?

"Empatia e compaixão são motivações muito importantes para o comportamento pró-social", diz a neurocientista e psicóloga Charlotte Grosse Wiesmann, do Instituto Max Planck de Ciências Cognitivas e do Cérebro em Leipzig, na Alemanha. O trabalho dela é focado em como as habilidades sociais são desenvolvidas durante a infância.

O impulso de ajudar desde pequeno

"Ajudar é um comportamento fundamental", diz Grosse Wiesmann. "Bebês de apenas 1 ano demonstram uma vontade espontânea de ajudar quando, por exemplo, pegam algo do chão para devolver a quem deixou cair." Desde bem pequenas, as crianças são muito boas em reconhecer os objetivos de outra pessoa.

No início, o ato de ajudar tem pouco a ver com altruísmo, mas com o aprofundamento dos laços sociais. À medida que a criança reconhece o objetivo da outra pessoa e tenta ajudar, a ação conjunta se torna possível. "Só podemos levantar uma mesa grande juntos", diz Grosse Wiesmann sobre a importância dessa etapa do desenvolvimento.

"O psicólogo Michael Tomasello reforça a teoria de que as pessoas são caracterizadas, principalmente, pela cooperação, e que reconhecer os objetivos do outro e ajudá-lo é um passo importante para o desenvolvimento próprio", afirma Grosse Wiesmann. Mesmo um vírus é melhor combatido por todos juntos.

Com cerca de 2 anos, os bebês desenvolvem uma vontade empática de ajudar. "Eles começam a reconhecer as emoções do outro e reagir a elas – por exemplo, tentando confortar alguém que está triste", explica Grosse Wiesmann.

Eu te ajudo, você me ajuda

A vontade de ajudar, provavelmente, tem menos a ver com altruísmo do que se pensa. Em vez dela, a reciprocidade é outro importante motivo para as pessoas serem prestativas: quem ajuda aumenta as chances de, quando necessário, ser ajudado.

Assim, Lena e Ana não foram motivadas apenas pelo desejo completamente altruísta de fazer algo de bom pelas outras pessoas. O desejo delas é o de também ter uma mão amiga caso precisem.

Dessa forma, a reciprocidade pode desencadear um tipo de efeito dominó de solidariedade, no qual mais e mais pessoas se ajudam. Aliás, uma das conclusões de Lena e Ana é a de que não há falta de prontidão para ajudar – o que falta, às vezes, é vontade de aceitar ajuda.

Böckler-Raettig não se surpreende com isso, pois a ajuda também pode ter suas desvantagens: "Às vezes, ajudando muito uma pessoa, você pode impedir que ela mesma se ajude", explica.

Como resultado, as pessoas podem se tornar dependentes daquelas que ajudam, o que no longo prazo as tornaria mais fracas, ao invés de fortalecê-las.

"Se as pessoas soubessem o quão pró-social é aceitar ajuda!", comenta a psicóloga. "Ajudar e ser generoso também beneficia a própria pessoa que ajuda. Portanto, quem aceita ajuda também está fazendo algo de bom para outro."

E quando a pandemia passar?

Obviamente, ainda não é possível saber se essa onda de solidariedade irá embora junto com a crise do coronavírus, na mesma rapidez com que chegou. Mas Böckler-Raettig é otimista. "Quanto mais frequentemente mostramos um comportamento pró-social e percebemos como isso é bom – seja na sociedade, seja no nosso círculo de amigos, seja no nível pessoal –, mais repetiremos esse comportamento."

Lena e Ana estão hoje em quarentena. Até agora, não faltou papel higiênico nem macarrão, mas chocolate. Então, elas usaram a rede criada por elas mesmas para procurar ajuda. Em pouco tempo, 11 pessoas se ofereceram como fornecedoras e levaram diversas barras de chocolate para as jovens. O comportamento pró-social se mostra, muitas vezes, de maneira bem sutil.

Nem por isso vale menos a pena: o chocolate deixou Lena e Ana muito felizes. "Cada pequeno gesto conta", diz a psicóloga Anne Böckler-Raettig.

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