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Timbuctu é cidade do medo

Alexander Göbel (rc)13 de março de 2013

O místico local no centro do Mali foi libertado das mãos dos jihadistas, mas ainda sofre com o medo e a falta de recursos. Cidade dos 333 Santos perdeu grande parte de sua alma.

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Foto: dapd

A cidade de Timbuctu, no norte do Mali, está oficialmente livre dos extremistas islâmicos. O exército nacional está na parte central e as tropas francesas se concentram ao redor do aeroporto. Mas, ainda assim, não se vê alívio ou júbilo entre a população, que teme, por um lado, os terroristas islâmicos e, por outro, os soldados malianos. A cidade ainda sofre com a carência dos recursos mais básicos, como água, comida e energia elétrica.

Num posto de controle nos arredores de Timbuctu, vê-se no meio da rua duas picapes destruídas por tiros, utilizadas previamente como instrumento de guerra pelos jihadistas, os praticantes da "guerra santa". Oficialmente, eles foram expulsos da cidade, mas quem aqui chega é saudado em seu nome, em árabe e em francês. Até hoje, ninguém retirou o letreiro em preto e branco, que diz: "Timbuctu, o farol do Islã. Aqui impera a sharia, aqueles que respeitam a lei islâmica são bem-vindos".

Soldaten Mali
Soldados do Exército maliano são acusados de cometer atrocidades na cidadeFoto: picture alliance / dpa

Franceses: só uma lembrança

A mística, mágica Timbuctu: assim a cidade costumava ser, confirma Ali Baba, que antes trabalhava ocasionalmente como guia turístico no local. Os radicais religiosos não apenas destruíram os túmulos dos santos e parte da famosa coleção de manuscritos, como aterrorizaram a população com proibições, amputações e apedrejamentos.

Hoje em dia isso não acontece mais, mas o sofrimento ainda não terminou. No início de fevereiro, quando o presidente francês François Hollande foi celebrado como o libertador de Timbuctu, a cidade estava em êxtase. Agora apenas algumas bandeiras francesas nas ruas arenosas sobraram como testemunho.

"Timbuctu é uma cidade traumatizada", afirma Ali Baba. "Nada será como antes. Aqui todos se conheciam, todos eram hospitaleiros e ajudavam uns aos outros. Agora cada um só pensa em si, em nome da sobrevivência. Muitos se alimentam apenas uma vez ao dia, se tanto."

No mercado da cidade os vendedores anunciam seus produtos, mas ninguém compra. As laranjas do comerciante Bintou Maiga apodrecem no calor. Ele explica que teve que subir os preços porque paga caro ao fornecedor, principalmente pelas frutas, vegetais, açúcar e óleo. "Os custos são quase o dobro de antes da guerra, o fornecimento não funciona direito, as estradas ainda são perigosas em razão das minas, e as fronteiras para a Argélia e Mauritânia estão trancadas. As pessoas não têm dinheiro nem trabalho."

Império do medo

Amadou Cissé, também comerciante, não tem muitas esperanças. "Muitos fugiram de Timbuctu por medo da guerra, e muitos não irão retornar. Se eu me sinto seguro na cidade agora que ela foi libertada? Bem, é como nós dizemos por aqui: 'Ça va à la malienne'", ou seja: "Tudo bem, à moda maliana."

Em outras palavras: nada está bem. As necessidades são muitas, mas as pessoas sofrem também com o medo de ataques, não confiam umas nas outras. As lojas na parte árabe da cidade foram devastadas e saqueadas.

Pessoas de pele clara estão sob suspeita generalizada, tachadas de traficantes de armas e de drogas, terroristas suicidas ou colaboradores dos fundamentalistas. Árabes e tuaregues respeitáveis são levados pelo exército e encontrados mortos, enterrados nas dunas fora da cidade.

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Parte dos manuscritos da biblioteca de Timbuctu foram destruídos por fundamentalistas.Foto: Getty Images

Alma envenenada

Ali Ould Mohamed Kabadi foi vítima da justiça de linchamento. Desesperado, seu filho Ibrahim, de 16 anos, é agora quem cuida sozinho dos dois irmãos mais novos. "Eu quero saber a verdade. Não consigo mais dormir nem comer. Todo o mundo em Timbuctu conhecia o meu pai, ele era parte desta cidade, acreditava no país. Agora ele está morto, e eu quero saber o que aconteceu."

O vizinho de Ibrahim, Mouloud Banya, se diz chocado que o comandante das tropas em Timbuctu rejeite todas a acusações. "Aqui na cidade todos sabem que Ali Ould Mohamed Kabadi não tinha nada a ver com os radicais religiosos. E digo a quem quiser ouvir: o exército está aqui para se vingar e fazer acertos de antigas contas. Eu tenho a impressão de que, após a retirada dos muçulmanos, é que o pânico se espalhou mesmo."

A guerra parece ter envenenado Timbuctu, justamente o centro do misticismo islâmico, onde tantos grupos étnicos coexistiram pacificamente através dos séculos. A "Cidade dos 333 Santos" perdeu grande parte de sua alma.