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Trajetória de Cunha é crônica de uma queda anunciada

Jean-Philip Struck8 de julho de 2016

Publicamente odiado pelo governo e tolerado pela oposição como uma figura útil no impeachment, deputado parecia ser um dos poucos pontos de consenso num país polarizado: sua saída era vista como questão de tempo.

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Eduardo Cunha
Foto: Reuters/U. Marcelino

Considerado um sobrevivente em Brasília, capaz de manter sua trajetória ascendente mesmo com um currículo repleto de acusações de irregularidades, o deputado Eduardo Cunha renunciou à presidência da Câmara nesta quinta-feira (7/7), poucos meses depois do auge de sua influência como figura central no processo que deve culminar no impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Cunha é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, sob acusação de integrar o esquema de corrupção na Petrobras investigado pela Lava Jato. E, para muitos, sua saída era questão de tempo.

Apontado como artífice de derrotas sofridas pelo governo na Câmara, Cunha passou a engrossar sua munição verbal contra o governo desde que teve seu nome envolvido na Lava Jato. Consequentemente, rompeu com o Planalto, tornando-se um dos maiores inimigos políticos de Dilma.

A presidente e seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, ainda tentaram negociar com o deputado. Em dezembro, deputados do PT cortaram a possibilidade de qualquer arranjo ao endossarem um pedido de cassação do deputado por suspeita de ocultar contas secretas na Suíça. No mesmo dia, Cunha decidiu dar prosseguimento a um dos pedidos de impeachment de Dilma.

Publicamente odiado pelo governo, tolerado pela oposição como uma figura útil no processo de impeachment, Cunha, em alguns momentos, pareceu ser um dos poucos consensos num país polarizado: faixas contra ele eram vistas em protestos pró e contra o governo.

Nos últimos meses, a pergunta foi quem cairia primeiro: Cunha ou Dilma? Com sua renúncia e com a aproximação da votação do impeachment no Senado, o cenário parece de empate, já que Cunha ainda manobra para, pelo menos, manter o mandato de deputado.

Início: PC, Collor e Silvio Santos

Cunha ganhou projeção nacional no início de 2015, quando assumiu a presidência da Câmara ao derrotar a máquina do Planalto que favorecia o petista Arlindo Chinaglia. Mesmo sendo um político influente nos bastidores, já em seu quarto mandato costumava ser lembrado pelo público apenas como um "atravancador" de pautas no Congresso e por suas posições conservadoras sobre o aborto e o casamento de pessoas do mesmo sexo.

Bastaram poucos dias na presidência para que Cunha se convertesse na mais nova bête noire do governo Dilma. Apelidado de "rei do blocão", Cunha deveu sua eleição aos deputados da base que estavam insatisfeitos com a presidente e a uma combinação de distribuição de favores e de astúcia política relacionada ao funcionamento do regimento da Câmara. Na presidência, ele forçou a demissão do ex-ministro da Educação Cid Gomes, sabotou votações de interesse do Planalto e chegou a promover uma espécie de minirreforma política.

Brasilien Geschichte Präsident Fernando Collor de Mello
Eduardo Cunha chefiou o comitê financeiro da campanha de Fernando Collor no Rio, nas eleições de 1989Foto: JOSE VARELLA/AFP/Getty Images

A fúria do deputado contra o governo aumentava à medida em que o peemedebista se via mais e mais enrolado nas investigações da Lava Jato – o lobista Julio Camargo afirmou que Cunha cobrou propina de 5 milhões de dólares em um negócio da Petrobras que envolvia o aluguel de sondas marítimas.

Formado em economia, Cunha, de 56 anos, teve seu primeiro grande empurrão na política antes da eleição presidencial de 1989, quando se envolveu na candidatura de Fernando Collor. Ele chefiou o comitê financeiro da campanha no Rio e tratou com o tesoureiro Paulo César Farias, o PC. Durante a campanha, recebeu o crédito pela descoberta de uma falha no registro da candidatura de Silvio Santos, que acabou inviabilizando a campanha do apresentador e facilitou a eleição de Collor.

A recompensa pelo serviço veio logo depois. Indicado por PC, Cunha recebeu a presidência da Telerj, a antiga operadora de telefonia do Rio de Janeiro. No cargo, foi acusado de direcionamento e superfaturamento em licitações e contratação de servidores sem concurso. Em 1993, após o impeachment de Collor, foi exonerado e acusado de participação no "Esquema PC".

Aproximação com evangélicos

Nos anos seguintes, Cunha trataria de reconstruir sua influência. Em um caso curioso de metamorfose, deixou os políticos tradicionais de lado e se aproximou de pastores neopentecostais, que a partir da metade dos anos 90 começaram a ter projeção nacional.

Nesta fase, Cunha virou um protegido do ex-deputado Francisco Silva, ligado ao eleitorado evangélico fluminense e dono da rádio Melodia FM. Acostumado com os bastidores, Cunha só tentou seu primeiro mandato em 1998, quando se candidatou a deputado estadual. Acabou ficando na suplência com 15 mil votos. Foi sua primeira e última derrota eleitoral.

Brasilien Eduardo Cunha
Deputado ganhou projeção nacional no início do ano, quando assumiu a presidência da CâmaraFoto: Antonio Cruz/Agência Brasil

No ano seguinte, o então governador do Rio, Anthony Garotinho, também ligado aos evangélicos, nomeou Silva para a Secretaria da Habitação do Rio. Este, por sua vez, nomeou Cunha subsecretário e posteriormente para a presidência da Cehab (Companhia Estadual de Habitação). Na mesma época, Cunha, aos 41 anos, abraçou de vez seu novo personagem e se converteu ao protestantismo.

Já na presidência da Cehab, Cunha durou cerca de seis meses no cargo. Deixou o posto quando se viu envolvido em um novo escândalo, mais uma vez de direcionamento de licitações. Nesse momento, viu-se isolado politicamente.

Cunha conseguiu dar a volta por cima em 2001, ao deixar a suplência e assumir um mandato na Assembleia, que lhe permitiu usufruir do foro privilegiado. Na mesma época, entrou na mira da Receita Federal, que detectou movimentações financeiras incompatíveis com sua renda.

Séquito fiel

Em 2002, com o apoio pesado de rádios evangélicas, foi eleito deputado federal com 101.495 votos. Pouco depois, se filiou ao PMDB, do qual viraria líder na Câmara em 2013.

Ao contrário de outros políticos, Cunha não costuma ser visto em inaugurações de obras. Prefere circular em templos evangélicos dos subúrbios do Rio de Janeiro, sua cidade natal, e da Baixada Fluminense. Ainda assim, tem um trânsito fácil no meio empresarial.

O deputado mantém um séquito fiel de pelo menos algumas dezenas de deputados. Políticos ouvidos pela imprensa brasileira afirmam que Cunha serve de ponte entre eles e empresas que costumam fazer doações generosas. Em 2014, foi reeleito com 232.708 votos. Sua campanha custou 6,8 milhões de reais e contou com doações dos bancos Bradesco, Safra e Santander e de empresas como a Ambev e a Coca-Cola.

Conhecedor dos meandros do regimento interno da Câmara, Cunha é mestre em usá-los a seu favor. Em 2007, conseguiu segurar a votação da Medida Provisória que prorrogava a CPMF até forçar a indicação de um dos seus aliados para um cargo em Furnas. Como legislador, apresentou projetos duvidosos, como o a instituição de um "dia do orgulho heterossexual" e a criminalização da "heterofobia". Certa vez, escreveu em sua conta no Twitter que os evangélicos estão "sob ataque dos gays, abortistas e maconheiros".

Também atravancou a MP dos Portos, tentou alterar o Marco Civil da Internet e atuou como relator da MP que mudou a tributação sobre os lucros das multinacionais brasileiras no exterior. Em todas as ocasiões, foi acusado por adversários de agir como lobista de empresas com quem mantém uma relação de proximidade e que tinham interesses em cada uma das votações.