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Turquia inicia processo contra israelenses que atacaram flotilha para Gaza

6 de novembro de 2012

As já desgastadas relações diplomáticas entre Israel e Turquia devem ficar ainda piores com o julgamento à revelia de quatro ex-oficiais israelenses, acusados de comandar a operação que matou nove ativistas turcos.

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Foto: dapd

As primeiras testemunhas começam a ser ouvidas nesta terça-feira (06/11) em Istambul, no processo movido contra quatro ex-altos comandantes israelenses por suposta responsabilidade no ataque à flotilha que, em maio de 2010, tentou furar o bloqueio israelense à Faixa de Gaza.

A promotoria pediu a prisão perpétua para os quatro ex-oficiais israelenses, incluindo o então chefe do Estado-maior, Gabi Ashkenazi. Eles estão sendo julgados à revelia.

Israel já criticou o caso como um "processo judicial unilateral", recusando-se a cooperar. De fato, muitos especialistas questionam se o caso é da alçada do tribunal penal turco. Mas os ativistas do navio Mavi Marmara (que foi atacado pelos militares israelenses) e as famílias das vítimas têm grandes expectativas.

"Será um julgamento histórico", opina a advogada Gulden Sonmez, membro do conselho da organização humanitária islâmica IHH, cujos ativistas foram mortos durante o ataque. "Os responsáveis ​​pelos crimes contra a humanidade serão responsabilizados", diz. "Este certamente não será um julgamento simbólico. Se forem considerados culpados, estes comandantes israelenses podem ser presos em qualquer lugar do mundo, por meio de uma ordem de prisão da Interpol", afirma.

O tribunal turco já emitiu intimações para os comandantes israelenses e, de acordo com os advogados, pode ainda emitir mandados de prisão contra os oficiais após as primeiras audiências, nas quais 490 testemunhas de 37 países estão programadas para depor.

Gabi Aschkenasi
Gabi Ashkenazi, ex-chefe das Forças Armadas de Israel, é um dos acusadosFoto: AP

Ativistas esperam que o julgamento possa se tornar ainda maior nas próximas semanas, com processos judiciais contra dezenas de militares e civis israelenses envolvidos no ataque. Eles estão convencidos de que o julgamento vai, finalmente, trazer justiça, além de pressionar o governo israelense a mudar sua política em relação a Gaza.

Apesar das grandes expectativas, no entanto, observadores consideram a validade jurídica do julgamento e a execução da pena como altamente questionáveis. Mas a mídia turca especulou que Israel teria pedido a mais de 150 soldados e funcionários envolvidos com o incidente do Mavi Marmara para não viajar ao exterior, onde poderiam correr o risco de serem presos e extraditados para a Turquia.

Operação matou nove ativistas e feriu 30

Dois anos atrás, ativistas de direitos humanos de 37 países tentaram romper o bloqueio naval israelense a Gaza com a flotilha da qual fazia parte o Mavi Marmara. A campanha foi patrocinada pela IHH, entidade humanitária islâmica da Turquia, que tem relações estreitas com o governo turco.

A operação militar israelense para deter as embarcações, executada em águas internacionais, terminou num banho de sangue. Nove ativistas turcos foram mortos e 30 pessoas resultaram feridas.

Após o ataque, as relações entre Turquia e Israel entraram em crise. O governo em Ancara expulsou o embaixador israelense, congelou as relações diplomáticas e suspendeu as colaborações militares. Tanto os esforços liderados pela ONU para investigar o incidente como as tentativas diplomáticas para se chegar a um acordo entre os dois países falharam.

O governo islâmico conservador da Turquia exigiu um pedido formal de desculpas e indenizações para as famílias das vítimas, assim como a adoção de medidas para acabar com o bloqueio a Gaza. "Se Israel quiser normalizar as relações com seu maior amigo no mundo islâmico, tem que atender a todas essas três condições", disse quarta-feira, em Berlim, Egemen Bagis, ministro turco para a União Europeia e assessor próximo do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan. "Não estamos felizes com o desgaste das relações com Israel. Mas somos muito sensíveis a respeito dessa questão", complementou.

Velhos parceiros, novos rivais

A deterioração das relações entre a Turquia e Israel tem sido uma preocupação crescente para a administração dos EUA e para os governos europeus.

Turquia e Israel desfrutaram de relações especiais e estreitas por mais de meio século, apesar de vários altos e baixos. A Turquia foi o primeiro país de maioria muçulmana a reconhecer oficialmente o Estado de Israel e a abrir uma embaixada em Tel Aviv. Ancara também fez mediações para estreitar as relações entre Israel e outros países muçulmanos.

Durante a década de 90, Turquia e Israel estreitaram laços através de projetos de defesa, com empresas israelenses oferecendo tecnologia que Ancara não teria obtido facilmente dos Estados Unidos ou de outro país.

As relações estreitas continuaram ainda nos primeiros anos do governo islâmico conservador do partido AKP, de Erdogan. O líder turco chegou a fazer uma mediação entre o então primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, e o presidente sírio, Bashar al-Assad, mas o esforço de dois anos de Ancara foi quebrado com uma operação israelense em Gaza em 2009.

O incidente virou as relações turco-israelenses de cabeça para baixo. Erdogan expressou grande frustração com Israel quando Olmert iniciou uma ofensiva em Gaza poucos dias depois de ter feito uma importante visita a Ancara. As relações receberam outro duro golpe com o incidente do Mavi Marmara, em 2010.

Acordos suspensos

Durante a década de 90, empresas israelenses estavam entre as principais colaboradoras de projetos turcos estratégicos de defesa e modernização, com contratos somando bilhões de dólares. Com o aumento das tensões políticas entre os dois países, todos os acordos de cooperação militar e de defesa foram suspensos, incluindo a colaboração para um sistema estratégico de inteligência aérea.

A Turquia bloqueou uma cooperação mais estreita da Otan com Israel, enquanto o governo de Israel começou a desenvolver laços com dois rivais da Turquia na região, a República do Chipre, de governo greco-cipriota, e a Grécia. O forte lobby israelense nos EUA também retraiu o tradicional apoio do país à Turquia, colocando Ancara numa posição mais difícil em várias questões de política externa.

As tensões políticas entre os dois países também afetaram a opinião pública de uma forma negativa. Em 2008, 560 mil turistas israelenses visitaram a Turquia. Mas após a incursão em Gaza e o incidente do Mavi Marmara, o número caiu drasticamente, para apenas 80 mil no ano passado.

A disputa turco-israelense causou graves danos aos laços políticos, à colaboração na área de defesa e ao turismo, mas o comércio entre os dois países aumentou desde então, ultrapassando 4,4 bilhões de dólares no ano passado.

Tanto diplomatas turcos como israelenses concordam que a cooperação em vários campos é claramente do interesse de ambos os países. Mas a política interna continuará a desempenhar um papel importante, limitando a margem de manobra para a reconciliação.

Necessidade de mudança política

"Achamos que o governo Erdogan abandonou as boas relações com Israel em troca de um aumento da influência da Turquia no mundo árabe", avalia um diplomata israelense que deu entrevista à Deutsche Welle sob condição de anonimato, devido à sensibilidade do tema.

"Mas reparar as relações entre os dois países é agora de grande interesse para ambos. Isso é ainda mais evidente diante dos novos desafios da região", sublinhou, referindo-se à crise na Síria. "Estou confiante de que em breve encontraremos uma maneira de reatar nossos laços."

Muitos observadores acreditam que a retórica dura e a atual política de Erdogan em relação ao governo israelense têm contribuído para aumentar a simpatia por ele no mundo árabe, fortalecendo a influência da Turquia na região. Erdogan é o líder mais popular em seis países de maioria muçulmana, de acordo com uma recente pesquisa do Pew Research Center. Ele recebeu um índice de aprovação de 65% na Turquia, Egito, Jordânia, Líbano, Tunísia e Paquistão.

Türkei Israel Shimon Peres bei Präsident Abdullah Gül in Ankara
Meio século de amizade: presidente de Israel, Shimon Peres, em visita a Ancara em 2007Foto: AP

Enquanto diplomatas de Israel veem a mudança de prioridades e de políticas regionais da Turquia como um obstáculo para uma reaproximação entre os dois países, diplomatas turcos culpam a política interna israelense pelo atual impasse.

"Após várias rodadas de negociações, negociadores da Turquia e de Israel alcançaram um acordo sobre medidas básicas para se chegar a uma normalização", comentou um diplomata turco, falando à Deutsche Welle sob condição de anonimato. "Mas os políticos israelenses não mostraram coragem política e não aprovaram o acordo", acrescentou.

Agora, em Ancara, todos os olhos estão fixados nas eleições em Israel, marcadas para janeiro. Diplomatas acreditam que o resultado do pleito pode afetar positivamente as relações turco-israelenses. Outro fator importante diz respeito à política de Erdogan. Não é certo se ele está disposto a contribuir para uma reconciliação. Mas o premiê turco já deixou claro que está determinado a continuar os seus esforços para aliviar o bloqueio a Gaza.

Na semana passada, no voo de volta para Ancara após uma visita à Alemanha, Erdogan contou a jornalistas que planeja visitar Gaza em breve, ideia que deve provocar irritação em Israel. O primeiro-ministro turco disse que a chanceler federal Angela Merkel pediu-lhe para tentar normalizar as relações com Israel. Ele teria reiterado a posição turca, dizendo que todas as três reivindicações devem ser aceitas. "A Turquia não está aberta a opções que incluam um pedido de desculpas e indenizações, mas deixem de lado o fim do bloqueio a Gaza", ressaltou.

Autor: Ayhan Simsek (md)
Revisão: Alexandre Schossler