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Especialistas veem poucos avanços na segurança de boates

Marina Estarque, de São Paulo27 de janeiro de 2014

Muitas casas noturnas continuam operando de forma irregular, e a fiscalização deficiente em grandes cidades, como São Paulo, é um dos principais desafios para elevar a segurança em boates, afirmam especialistas.

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Foto: Reuters

Logo após a tragédia na boate Kiss, que matou 242 pessoas e feriu centenas, no dia 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria (RS), houve uma grande mobilização de empresários, políticos e governos em torno do tema. Um ano depois, especialistas afirmam que o Brasil avançou pouco no sentido de melhorar a segurança em locais de reunião.

Na cidade de São Paulo, onde o esforço imediatamente após a tragédia foi intenso, a maioria das casas noturnas está irregular, afirma Silvio Antunes, arquiteto e diretor da empresa FireStop, de prevenção de incêndio. Na época, a prefeitura e o corpo de bombeiros fizeram uma operação que resultou na intimação de 131 casas noturnas, com 35 interdições e 58 regularizações.

Ele relata que, logo após a tragédia, o número de clientes dobrou na sua empresa, mas a demanda já se normalizou. Alguns meses depois, o especialista visitou estabelecimentos para verificar se as normas estavam sendo seguidas. "A maior parte não tinha o Auto de Vistoria do Corpo dos Bombeiros (AVCB, documento que atesta condições de segurança contra incêndio), algumas nunca pediram. Principalmente nas casas menores, há muita irregularidade."

A professora da USP Rosaria Ono, especialista em segurança contra incêndio , avalia que o empenho inicial de inspeção em São Paulo não se manteve. "Várias casas se regularizaram naquele período. Mas muitas não fizeram nada e reabriram da mesma forma", afirma.

O promotor José Carlos de Freitas, da Promotoria de Habitação e Urbanismo do Ministério Público do Estado de São Paulo, também considera que houve "um relaxamento" passado um ano do acidente. "Depois que esfria o assunto, nós notamos que tudo volta à normalidade, continua a fiscalização deficiente e muitas vezes a corrupção, também. Existem inúmeros estabelecimentos em São Paulo sem alvará de funcionamento", explica.

Alguns poucos avanços

Entretanto, o promotor avalia que ficou mais fácil fechar uma casa noturna por questões de segurança. "Isso evoluiu um pouco, e os proprietários equiparam melhor os estabelecimentos", afirma.

Brasilien Trauer in Santa Maria nach Diskothekenbrand
Parente homenageia vítimas da tragédiaFoto: AP

Segundo Joaquim Saraiva, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), as casas noturnas mais frequentadas do país – em torno de 600 – têm o AVCB. Para ele, o acidente em Santa Maria serviu para conscientizar os empresários. "No geral, a segurança nas casas melhorou", diz.

Um avanço, afirma Silvio Antunes, é que o Corpo de Bombeiros passou a ser mais exigente nas suas vistorias. "Hoje eles pedem laudo de inflamabilidade dos tecidos e revestimentos, o que não costumava ser requerido antes."

Para o presidente da Associação dos Profissionais de Fiscalização do Estado de São Paulo (Aprofisc-SP), Alexandre Silva Rodrigues, a probabilidade de ocorrer outro acidente como o da boate Kiss diminuiu. Segundo ele, a fiscalização e a regularização na capital paulista aumentaram, mas ainda restam casas noturnas irregulares que conseguiram liminares na Justiça para funcionar.

Problemas na fiscalização

Apesar de um esforço inicial, a fiscalização em São Paulo ainda é muito deficiente. Na capital paulista, há menos da metade do número de agentes vistoriadores estabelecido por lei, afirma Rodrigues. "Em 1986, ano de criação da lei, havia a determinação para criar 1.200 cargos", diz. Hoje, segundo a prefeitura, há apenas 561 fiscais.

Levando em consideração o crescimento populacional desde aquela época, lembra o presidente da associação, há uma defasagem de cerca de mil agentes vistoriadores na cidade. Desde 2002 não é realizado um concurso público para o cargo. Para ele, a fiscalização está sobrecarregada e, por isso, é pouco eficiente.

A opinião é partilhada pelos especialistas, que apontam a falta de fiscais como um dos principais desafios para elevar a segurança em casas noturnas. "As subprefeituras estão sucateadas em termos de agentes vistores, e o quadro é cada vez menor, porque uns ficam doentes e outros se aposentam", afirma o promotor José Carlos de Freitas, que também defende um maior investimento em fiscalização.

"O corpo de profissionais é pequeno e eles acabam trabalhando apenas com base em denúncias, sem conseguir fazer visitas espontâneas e inesperadas", diz Rosaria Ono.

Autonomia para bombeiros

Além disso, a professora defende uma maior autonomia para os bombeiros. Eles inspecionam os locais, mas não podem multar. Silvio Antunes, da FireStop, concorda. Ele afirma que o bombeiro deveria ter o poder de embargar uma casa noturna. "O bombeiro faz a vistoria, identifica um problema, mas não pode cobrar a solução. Ele deveria poder dar um prazo para o proprietário fazer a mudança necessária."

Segundo Silvio Antunes, o bombeiro só retornará ao local caso os donos peçam a revistoria. "Caso contrário, fica sem resolver. Na verdade, depende da boa vontade do proprietário", explica.

Lei nacional

Outra grande dificuldade para a regularização é falta de uma lei nacional sobre segurança em locais de reunião. Logo depois da tragédia em Santa Maria, a Câmara dos Deputados anunciou a criação de uma comissão externa para acompanhar a investigação e apresentar uma proposta legislativa sobre o tema. O projeto de lei ficou pronto na metade do ano passado, mas, apesar de tramitar em regime de urgência, ainda não foi votado.

"Uma lei nacional seria importante porque há muitas normas estaduais e municipais. Isso deveria ter sido votado no mês seguinte ao incêndio", diz o promotor José Carlos de Freitas. Ele critica a ausência de uma cultura preventiva: "O brasileiro só coloca a tranca na porta depois que ela foi arrombada. Exemplo disso é o Congresso Nacional, que ainda não votou essa lei."

Rosária Ono, da USP, avalia que o Brasil não aprendeu a lição com a tragédia. "Quando acontece algo grave como a tragédia de Santa Maria, as pessoas reivindicam soluções, e os políticos tentam responder ao clamor popular com leis e normas. Mas, com o tempo, isso deixa de ser prioritário", lamenta.