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"Um estádio é sempre uma mensagem"

23 de junho de 2012

Responsável por projetar estádios de futebol no mundo inteiro, inclusive no Brasil, o arquiteto alemão Volkwin Marg afirma que eles são espaços de encenação ideológica, erguidos para simbolizar um time ou uma nação.

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Foto: cc-bc-Ilya Chochlov-sa-3.0

"Estádios de futebol são espaços altamente políticos", acredita o arquiteto alemão Volkwin Marg, que projetou várias arenas pelo mundo, inclusive para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Seu escritório, localizado em Hamburgo, assina os projetos do Estádio Nacional de Brasília, da Arena da Amazônia, em Manaus, e do Mineirão, em Belo Horizonte.

Nascido em 1936, Marg é também responsável pela modernização do Estádio Olímpico de Berlim e por dois palcos da Eurocopa de 2012: o Estádio Nacional em Varsóvia, na Polônia, e o Estádio Olímpico de Kiev, na Ucrânia. Segundo o arquiteto, estádios são espaços de encenação das massas, erguidos com a função de transmitir uma determinada imagem de uma nação.

Deutsche Welle:Estádios de futebol são lugares grandes, barulhentos e cheios: o que atrai as pessoas para lá?

Volkwin Marg: O homem não é apenas um indivíduo que deseja permanentemente se defender e se distanciar dos outros, mas também é um ser social que, sob determinadas circunstâncias, tem vontade de se misturar. Essa ambivalência do ser humano leva sempre a uma pulsão reprimida por se inserir na sociedade e, de preferência, se dissolver nela. O desejo de fazer parte de uma multidão sempre pressupõe o movimentos numa mesma direção. Visto como uma união da massa em forma mais ou menos anelar, o estádio concentra todos os interesses dessa massa num único acontecimento no centro, enquanto isola do que está fora dele. É a expressão física da necessidade de pertencer à massa – amplificada acusticamente pela arquibancada totalmente coberta, que também funciona como um refletor sonoro. De modo que a autoencenação acústica da massa é muito mais intensa do antes: o gemido em conjunto, os protestos e os cantos rituais.

Arquiteto Volkwin Marg
Arquiteto Volkwin MargFoto: picture-alliance/dpa

O senhor costuma frequentar estádios esportivos?

Cresci na época do nazismo, com os jograis rítmicos e as marchas. Frequentei a escola na Alemanha Oriental, com as manifestações de rua – também em passo de marcha – e vivência das palmas ritmadas. Tornei-me uma pessoa muito cética, devido a essas lembranças da massa. A impressão que tenho dela é negativa, e por isso fico completamente perplexo quando vejo que também a alegria pode levar a uma comunhão em massa – por exemplo, nas palmas em ritmo. Não sou um frequentador de estádios apaixonado, mas acabo indo sempre, por causa dos meus netos. Quando é o caso, eles me explicam repetidamente o que é uma linha de impedimento. Fico sempre comovido com o entusiasmo ingênuo deles, em meio à massa.

Estádio Nacional de Varsóvia, Polônia
Estádio Nacional de Varsóvia, PolôniaFoto: DW/Joscha Weber

Quais são as funções de um estádio hoje?

Um estádio é o maior local de aglomeração. Ao mesmo tempo, é onde ocorrem os mais fantásticos eventos contemporâneoss. Além disso, é sempre uma mensagem, ou do time, ou, muito mais frequentemente, do lugar onde se encontram. Ele é altamente político, portanto.

E quanto aos espectadores?

Um estádio para 30 mil a 80 mil espectadores sempre significa conduzir multidões: o caminho para o estádio, a entrada nele, a distribuição dos assentos, o intervalo, a saída do estádio. E, ao mesmo tempo, essa condução significa uma coreografia das massas, no que concerne aos espectadores. Além disso, existe a coreografia do evento em si, que não se limita apenas à partida de futebol. Como as multidões não apenas são coreografadas, mas também se encenam a si próprias, e de forma bastante espontânea – basta pensar no canto de torcida ou na ola –, o estádio precisa oferecer a oportunidade de autoencenação, na acústica, na ótica e com as técnicas de iluminação.

Como os estádios foram se adaptando às novas exigências ao longo dos anos e séculos?

No início, estádios como os dos Jogos Olímpicos da Antiguidade eram lugares em torno dos quais o público se aglomerava para observar como as cidades-Estados concorriam entre si em competições paramilitares. Como a disputa sempre era codecidida pelos deuses, tratava-se também de jogos de culto. O estágio seguinte foi o Império Romano, quando o estádio se transformou numa gigantesca estrutura de pedra, que servia não apenas para abrigar competições paramilitares, mas também gigantescos espetáculos. Naquela época havia grandes anfiteatros, onde ocorriam eventos de massa com caças de animais, lutas de gladiadores e até batalhas navais – pois alguns estádios podiam ser inundados. Além disso, construíram-se espaços gigantescos para corridas de cavalos, como o Circo Máximo, para mais de 250 mil pessoas. Esses eventos às vezes duravam mais de uma semana e tinham o objetivo de manter calmos os cidadãos, controlar o povo simples.

Como os jogos e os estádios se transformaram na época moderna?

Quando as potências colonizadoras e os Estados nacionais se encontravam em concorrência internacional pelo globo, no final do século 19, surgiu a ideia dos Jogos Olímpicos como disputas nacionalistas, ou seja: houve um novo renascimento da construção de estádios. No século 20, a ideia olímpica se tornou altamente politizada na Itália fascista, na Alemanha nazista e em outros países. Após a Segunda Guerra Mundial, os jogos olímpicos aconteceram uma segunda vez na Alemanha: em 1972 em Munique. Desta vez, porém, encenados a partir de uma visão da sociedade totalmente diferente.

Estádio Olímpico de Berlim, em 1936
Estádio Olímpico de Berlim em 1936Foto: picture-alliance/dpa

Como o Estádio Olímpico da Berlim nazista de 1936 e o da Munique democrática de 1972 se diferenciam?

As Olimpíadas de 1936 haviam pleiteadas pela República de Weimar, ainda em 1929, e deveriam transcorrer em Berlim, justamente a cidade onde, em 1916, tiveram que ser canceladas devido à Primeira Guerra Mundial. A intenção era apenas reformar o estádio olímpico já construído. Quando os nazistas assumiram o poder em 1933, viram aí uma chance de autoencenação. Foi criado então o Reichssportfeld (Campo Esportivo do Reich), uma monumental composição urbana: no centro estava o estádio que dava para o assim chamado Maifeld, um espaço de reunião para 250 mil pessoas. Mas para Hitler, até isso era pequeno demais.

As arquibancadas do Maifeld eram chamadas "Westwall", como as fortificações defensivas da Primeira Guerra Mundial. No meio delas havia o edifício Langemarckhalle, supostamente construído sobre a terra ensanguentada transportada de Langemarck, na Bélgica, onde 50 mil soldados alemães supostamente morreram como heróis, Primeira Guerra. No topo da torre olímpica da Langemarckhalle havia um sino com a inscrição: "Conclamo a juventude do mundo". Nesse ambiente necrófilo, na verdade, o sino conclamava a juventude para a morte heróica. Todo esse complexo monumental-patético estava encenado para paradas em formação fechada e para uma sociedade conforme, em passo de marcha.

O total oposto disso foi a encenação de Munique em 1972, um projeto do escritório de arquitetura Behnisch & Partner. Numa paisagem com colinas e um lago, foram erguidos pavilhões de tetos translúcidos, cobrindo estádios e piscinas. Os caminhos que levavam até eles e a coreografia das massas eram desenhados livremente, como num jardim inglês. De modo que se poderia dizer que, neste caso, a coreografia era em tempo de valsa. Era uma outra visão para os jogos da juventude mundial, numa sociedade democrática e livre.

Detalhe do Estádio Olímpico de Munique
Detalhe do Estádio Olímpico de MuniqueFoto: picture-alliance/dpa

O senhor projetou alguns estádios esportivos, na África do Sul, Brasil, Polônia e Ucrânia. Que influência exerce a conjuntura política no processo? Ou no fim das contas o fator mais importante é o orçamento?

Ambos. Quando, porém, falamos de autoencenação, seja de uma cidade ou de uma nação, as circunstâncias políticas são decisivas, inclusive para o financiamento. No caso de estádios nacionais, o orçamento é calculado, via de regra, segundo os lucros psicológicos. Mas a questão política prevalece, porque, junto com o estádio, deve ser criado um símbolo. Basta pensar nas últimas Olimpíadas da China, na qual foi erguido um ninho de pássaro como símbolo para o futuro do país.

Estádio Olímpico de Kiev, Ucrânia
Estádio Olímpico de Kiev, UcrâniaFoto: picture-alliance/dpa

Qual é o simbolismo por trás dos estádios de Varsóvia e Kiev, palco dos jogos da Eurocopa?

O estádio nacional em Varsóvia tem um tremendo significado para os poloneses. O estádio anterior foi erguido a partir dos escombros produzidos pelos bombardeios alemães durante a repressão ao levante de Varsóvia, na Segunda Guerra Mundial. Era, por isso, um monumento para recordar a destruição, um imponente estádio elevado. Além disso, ele se localizava no ponto onde o exército russo fez uma parada em sua marcha para Varsóvia, a fim de esperar a repressão do levante e em seguida marchar sobre o Rio Vístula e ocupar a cidade.

Exatamente no lugar do estádio antigo deveria ser construído o novo, sob a condição de não tocar no primeiro edifício. Nosso escritório de arquitetura ganhou a concorrência ao sobrepor o novo estádio ao antigo, como uma coroa. Nós desenvolvemos o entorno da arena de tal maneira que lembrasse uma cesta trançada nas cores nacionais da Polônia, branco e vermelho. Agora, o estádio fica iluminado à noite, por assim dizer como uma joia do outro lado do Rio Vístula. É uma coroa da cidade, construída sobre a base da história.

Já o estádio em Kiev tem uma história secular, e desde o início se situou no centro histórico da cidade. Desde a era czarista, foi reconstruído e renomeado várias vezes. Em sua forma mais recente, abrigava 100 mil torcedores, só que em bancos, não em assentos individuais. Ele foi construído para as exigências do futebol comercial. Mas a ideia era preservar sua substância, como monumento arquitetônico da história ucraniana.

Autora: Klaudia Prevezanos (jv)
Revisão: Augusto Valente