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Um terço dos cariocas apoia "bandido bom é bandido morto"

Roberta Jansen
5 de abril de 2017

Pesquisa aponta que 37% dos moradores da cidade do Rio de Janeiro dizem concordar com a polêmica frase. Entre os contrários, um número alto de evangélicos: 74%.

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Polícia patrulha favela da Maré, no Rio de Janeiro
Polícia patrulha favela da Maré, no Rio de JaneiroFoto: picture-alliance/AP Photo

Uma semana depois de policiais militares terem sido flagrados executando dois suspeitos caídos no chão, durante uma operação na Zona Norte do Rio, um novo estudo revela que mais de um terço dos cariocas concordam com a frase “Bandido bom é bandido morto”.

O levantamento foi feito pelo Centro de Estudos em Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes e divulgado nesta quarta-feira (05/04). Mais de 2,3 mil pessoas foram ouvidas na pesquisa “Olho por olho?”, e 37% delas afirmaram concordar totalmente (31%) ou parcialmente (6%) com a frase.

“O percentual, sem dúvida, é muito alto, mas, comparado com outras pesquisas, está abaixo da média nacional”, afirma uma das coordenadoras do trabalho, Julita Lemgruber, especialista em segurança pública.

Uma pesquisa anterior, do Datafolha, por exemplo, indicava que pelo menos 50% dos brasileiros moradores de cidades com mais de 100 mil habitantes eram defensores do bordão conservador.

“Dentro de um cenário preocupante, num mundo onde se vive uma onda conservadora, pelo menos esse percentual não representa a maioria da população”, acrescenta o sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da UERJ, que também trabalhou no levantamento.

De fato, o novo estudo mostra que 60% dos cariocas não concordam com a frase, enquanto outros 3% se dizem neutros ou não responderam. Realizado entre março e abril de 2016, o levantamento busca investigar que ideias, percepções e valores alimentam a ideologia do justiçamento, além de traçar os perfis dos indivíduos e segmentos sociais mais aderentes a essa ideia.

A pesquisa não detectou diferença significativa de opinião de acordo com faixa etária, raça ou cor, estado civil e nem mesmo o fato de o entrevistado ser ou não morador de favela. Dentre as variáveis que mais impactam nesta percepção estão renda e sexo: pessoas de renda alta rejeitam mais o bordão, enquanto homens o apoiam mais do que mulheres. Mas a variável que mais chamou a atenção dos especialistas foi a religião.

Os religiosos praticantes, em sua maioria evangélicos, formam a parcela da população que mais rejeita o bordão (74%). E enquanto 73% dos cariocas acreditam na ressocialização de criminosos, este número salta para 86% (novamente capitaneado pelos evangélicos) entre os religiosos praticantes.

“Embora haja muitas mediações complexas entre prática religiosa e opinião sobre assuntos públicos, esse resultado serve de alerta contra preconceitos e intolerâncias de vários tipos, que associam religião e atraso, comunidades confessionais e propagação do conservadorismo”, aponta o estudo.

“De fato”, diz Julita Lemgruber, “precisamos diferenciar a bancada evangélica conservadora do Congresso Nacional de alguns religiosos que estão nas comunidades.” A pesquisadora diz que o estudo mostra claramente que houve uma falha entre os especialistas de passar para a população noções básicas de direitos humanos, que acabam sendo repudiados como um entrave ao combate ao crime.

O fato de a polícia brasileira ser uma das que mais matam no mundo (foram 3.320 pessoas mortas em 2015) é percebido pela maioria dos entrevistados: 62% acham que a polícia mata demais, sendo que 66% afirmam que ela é mais violenta com negros do que com brancos. Pelo menos 75% também acreditam que a polícia é mais truculenta nas favelas do que em outras regiões da cidade. Essas percepções balizam as baixas avaliações recebidas pelo sistema como um todo. Em uma escala de zero a dez, a Polícia Civil recebeu nota 5,8; a Polícia Militar, 4,9; e a Justiça, 3,5.

“Eu acho que é um fenômeno muito complexo”, avalia o juiz Rubens Casara, que participou da análise qualitativa da pesquisa. “Mas passa por uma tradição autoritária em que a sociedade brasileira está lançada, que percebe qualquer lei ou instituição que funcione minimamente como um obstáculo à punição de eventuais culpados. "

Para o coronel Íbis Pereira, ex-comandante da Polícia Militar do Rio, os resultados não surpreendem. “O fato de todos os órgãos terem sido tão mal avaliados só mostra que todo o sistema da justiça criminal deve ser repensado”, afirma ele, que também participou da análise qualitativa da pesquisa. “Herdamos um modelo policial ruim e ainda não tivemos coragem de refundá-lo.”

Estranhamente porém, segundo os especialistas, essa percepção tão clara da violência policial concentrada em alguns segmentos sociais não vem acompanhada de um apoio mais explícito à defesa dos direitos universais. Ao contrário, dizem, o que se nota é uma forte rejeição à ideia de compatibilidade entre a redução do crime e o respeito a garantias fundamentais: 73% acreditam que os direitos humanos atrapalham no combate à criminalidade e 56% concordam, total ou parcialmente, com a afirmativa de que “quem defende direitos humanos está defendendo bandidos”.