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Cultura árabe no Brasil

26 de fevereiro de 2012

Entrevista com João Baptista Vargens, primeiro brasileiro a receber o prêmio Unesco-Sharjah, em reconhecimento pela promoção da cultura árabe no mundo. O escritor e pesquisador dedica-se ao tema há quase 40 anos.

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Quartel-general da Unesco em ParisFoto: dapd

Nesta segunda-feira (27/02), o brasileiro João Baptista de Medeiros Vargens receberá o 10º prêmio Unesco-Sharjah, na sede da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em Paris. Criada em 1998, por iniciativa da União dos Emirados Árabes, a premiação valoriza contribuições para o desenvolvimento e a difusão da cultura árabe no mundo.

A cada edição do prêmio, o reconhecimento a trabalhos artísticos e intelectuais é concedido a uma personalidade de país árabe e uma de outro país. Neste ano, ao lado do escritor e acadêmico libanês Elias Khoury, Vargens foi escolhido. Cada um deles receberá 30 mil dólares.

Vargens, 59 anos, é editor, escritor, tradutor, lexicólogo e professor da língua e cultura árabes na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Viveu na Síria, como estudante, e no Marrocos, como professor de língua portuguesa e cultura brasileira, além de ter viajado diversas vezes a outros países árabes.

Interessado na influência do árabe no português, com sua obra, o brasileiro destacou aspectos importantes da presença árabe no Brasil e nos países lusófonos. Um de seus trabalhos mais recentes foi como organizador do Dicionário Árabe-Português, escrito por Alphonse Nagib Sabbagh (Almádena, 2011). Em entrevista à DW Brasil, Vargens fala sobre a premiação e sobre a carreira.

DW Brasil: Como e quando começou seu interesse pela cultura árabe? O senhor é de origem árabe?

João Baptista Vargens: Eu não sou de origem árabe. Sou filho e neto de brasileiros. Meu interesse pela cultura árabe começou na adolescência, ao ler contos ambientados no Oriente Árabe. Mais tarde, o assunto Palestina, a primeira guerra árabe-israelense me fez interessar politicamente pelos árabes. Ao saber que existia um curso Português-Árabe na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fiz vestibular, passei e, em 1974, fiz parte da primeira turma licenciada em português-árabe – éramos apenas dois alunos.

E resolveu aprodundar o tema?

Depois dos quatro anos de graduação, fiz dois anos de especialização e, mais tarde, ganhei uma bolsa de estudos e fiquei dois anos em Damasco, na Síria, onde estudei no Instituto de Ensino de Árabe para estrangeiros.

Qual o peso da cultura árabe no Brasil?

Há duas vertentes poderosíssimas. A primeira delas é que, com a presença árabe na Península Ibérica, há cerca de 800 anos, os portugueses trouxeram a influência dessa cultura ao colonizarem o Brasil. E hoje em dia temos cerca de 12 milhões de árabes-descendentes no Brasil. Os árabes começaram mascateando e avançaram Brasil adentro. Encontramos seus descendentes desde na Amazônia até em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os árabes estão presente na política, na música, na culinária – quem não conhece quibe e esfiha no Brasil?

Quando começou a imigração árabe no Brasil?

Começou na metade do século 19, a partir de três visitas que o imperador Dom Pedro 2º fez ao chamado "Crescente Árabe". Passou pelo Egito, Líbano, Síria e Palestina. Ele gostou do que viu, do povo, da cultura, e concedeu vantagens para que essas pessoas viessem para o Brasil. O grande momento da imigração árabe foi, então, no final do século 19 e início do século 20.

Há também uma grande influência de palavras árabes no idioma português, certo?

Temos cerca de 3 mil arabismos, a maioria por conta da presença árabe na Península Ibérica. Outros surgiram após expedições portuguesas. No início do século 15, em 1415, Portugal chegou a Ceuta e recolheu lá e em outros países árabes algumas palavras. E, no vocabulário do português do Brasil, entraram palavras trazidas em sua maioria pelos libaneses, como as ligadas à culinária: quibe, esfiha, tabule.

O que significa para o senhor ser o primeiro brasileiro a receber o prêmio Unesco-Sharjah?

Soube em outubro passado que meu nome tinha sido indicado pelo Itamaraty. Fiquei muito satisfeito em ser escolhido entre nomes apontados por outros países, porque creio que as duas grande escolas de arabistas brasileiros – da UFRJ e da Universidade de São Paulo (USP) –, receberão, assim, uma visibilidade maior. Então esse prêmio não é só para mim, é para os arabistas do Brasil e para o Brasil também.

Que trabalhos o senhor tem em andamento atualmente?

No ano passado, fiz concurso para professor Titular de Árabe na UFRJ, passei e tomei posse recentemente. Creio que o trabalho mais importante agora, ainda mais após o prêmio Unesco-Sharjah, é que a UFRJ, assim como a USP, tente se aproximar cada vez mais do Ministério de Relações Exteriores. A intenção é que haja um trabalho conjunto entre universidades públicas e o Governo Federal. Acredito que agora, com a recente criação da Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA), surja, para além dos dicionários bilíngues existentes, também um trilíngue – espanhol-português-árabe.

Autora: Luisa Frey
Revisão: Francis França