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Violência de gênero no Uruguai, problema cultural enraizado

Diego Zúñiga fc
3 de janeiro de 2020

Presidente declara emergência nacional após três feminicídios no Natal. Especialistas apreciam a decisão, porém criticam a falta de medidas concretas. Em 2017, país teve a 8º maior taxa de feminicídios da América Latina.

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Mulheres seguram cartazes em passeata do Dia Internacional das Mulheres, em Montevidéu
Passeata do Dia Internacional das Mulheres, em MontevidéuFoto: picture-alliance/dpa/M. Zina

"Ainda temos gente próxima que minimiza esse problema", afirmou July Zabaleta, diretora da Divisão de Políticas de Gênero do Ministério do Interior do Uruguai, em 27 de dezembro de 2019, referindo-se aos feminicídios, um crime que em 2018 deixou causou 31 mortes e que em 2019, até 4 de dezembro, resultou fez outras 19 vítimas. Mas o problema é muito mais profundo, e tem a ver com estereótipos difíceis de erradicar.

De acordo com a ONU Mulheres, o Uruguai está no topo da lista regional da violência doméstica. A organização considera os números "alarmantes", sendo esse o segundo crime mais recorrente, depois do furto. "É um problema cultural enraizado não se ver com maus olhos o homem ter direito de 'disciplinar' com violência sua companheira e filhos. São comportamentos violentos que se naturalizaram", explica Margarita Mariño, fundadora do coletivo Mujeres de Negro, que combate o feminicídio.

Ciente do drama e dado o impacto gerado no pequeno país sul-americano pelos casos de duas irmãs e uma jovem mãe assassinadas em 24 e 25 de dezembro, o presidente Tabaré Vázquez declarou emergência nacional nesta segunda-feira (30/12). O comunicado da Secretaria de Comunicação da Presidência reconheceu abertamente que a medida foi tomada diante da "comoção causada pelos recentes atos de violência contra as mulheres". Num deles, um dos suspeitos estava sujeito a uma decisão judicial que o impedia de se aproximar da vítima.

Progressos insuficientes

A advogada Marina Morelli Núñez, presidente da cooperativa Mujer Ahora e membro da Rede Uruguaia contra a Violência Doméstica e Sexual, apoia a emergência nacional, mas critica a falta de precisão, pois "a declaração por si só não é suficiente, porque faltam planos de emergência e de contingência".

Núñez acrescenta tratar-se de um gesto político, já que Vázquez deixará o poder em 1º de março, "mas não se pode declarar estado de emergência nacional em 30 de dezembro e esperar que três meses depois seja criado um plano e um comitê".

Margarita Mariño, do coletivo Mujeres de Negro, partilha essa opinião: "As medidas devem ser adotadas o mais rápido possível, porque a vida de uma população vulnerável está em jogo. Trata-se de salvar vidas humanas."

O plano anunciado por Vázquez aponta aspectos a serem implementados imediatamente, "como promover uma reunião de alto nível entre a Presidência, o Supremo Tribunal de Justiça e a Procuradoria-Geral" para melhorar a coordenação, comprar 200 tornozeleiras eletrônicas para monitorar vítimas e perpetradores, difundir medidas de proteção às mulheres, e oferecer cursos de prevenção do abuso sexual. Insatisfeito, o grupo Mujeres de Negro advertiu em declaração que aguardará o anúncio de novas medidas.

Apesar de suas ressalvas, Mariño recorda que a emergência nacional era "reivindicada há vários anos pela sociedade civil". Núñez também acredita que o passo dado por Vázquez foi na direção certa: "Não podemos ignorar que se trata de um fato histórico. Há poucas décadas, o Estado negava a existência da violência contra as mulheres." No entanto, a advogada também vê na declaração de emergência que o Estado "reconhece que seu trabalho tem sido insuficiente".

Mariño partilha essa avaliação: "O progresso não tem sido suficiente, porque as mulheres continuam morrendo nas mãos de seus companheiros. Desde 2005, a violência aumentou em 580%, mas o sistema de Justiça está trabalhando com os mesmos recursos de 15 anos atrás", lamenta.

Tarefa de toda a sociedade

Segundo dados da agência de notícias AFP, o Uruguai ocupava, em 2017, o oitavo lugar na América Latina na taxa de feminicídio por cada 100 mil mulheres. "Quem vê os números frios pode perder de vista que somos um país de 3 milhões de habitantes. Também temos que considerar que essa temática sempre foi de segunda categoria no Uruguai, onde sempre se diz que há coisas mais importantes a tratar", frisa Núñez, insistindo que o problema deve, sem dúvidas, ser abordado pelo Estado, mas também pela sociedade civil.

Ela dá um dado devastador sobre os três feminicídios cometidos durante as férias de Natal: "Quando se pensa em festas, pensa-se em família, e isso é visto como contenção e amor. Mas quem trabalha com vítimas da violência doméstica sabe que, para muitas mulheres, estas festas são sinônimos de espanto, horror e de morte, e que o período entre 15 de dezembro e 6 de janeiro é muito difícil", acrescenta Morelli Núñez.

Pode haver uma razão para esse antecedente ser pouco conhecido: "Essas coisas são vistas de um posto um pouco elevado, como uma realidade que sucede às outras. Muita gente gosta de se espantar com as notícias ou de colocar um pequeno laço preto no Twitter ou Facebook, mas não acha que tenha muito a ver com isso. Mas a verdade é que não podemos esperar uma resposta somente do Estado, todos temos que nos envolver", insiste a advogada.

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