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Vitória de Erdogan pode afastar Turquia e UE

Barbara Wesel (md)2 de novembro de 2015

Presidente da Turquia sai das urnas fortalecido para barganhar cooperação na crise migratória. Com isso, europeus podem ter que pagar caro para convencer Ancara a conter chegada de refugiados nas fronteiras do bloco.

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Foto: Reuters

A declaração oficial de Bruxelas sobre a vitória do AKP foi reticente. A chefe de política externa da União Europeia (UE), Federica Mogherini, elogiou a confiança dos cidadãos turcos no processo democrático, comprovada, segundo ela, pela elevada taxa de participação. Sobre o decorrer da votação, entretanto, preferiu não fazer comentários e aguardar o relatório dos observadores da OSCE. Independente disso, a UE lembrou a parceria com Ancara e desejou uma continuação da cooperação. Foi uma declaração com alto nível de aridez diplomática.

Também o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, foi econômico nas palavras: "Espero que Erdogan empregue sua maioria absoluta para exercer uma forma mais moderada de governo, supere a polarização no país e, especialmente, mude a forma de lidar com a questão curda, que é tão importante para as relações com a Europa."

Ele afirmou que, nas próximas negociações sobre a crise de refugiados, o governo turco possa agora se mostrar mais relaxado. No entanto avisa: "Serão negociações em pé de igualdade, nenhum dos lados será capaz de fazer passar todas as suas exigências."

Em entrevista à DW, Schulz disse que os europeus precisam dos turcos para lidar com a crise de refugiados, enquanto eles precisam dos europeus para a liberalização dos vistos. "Algo economicamente importante para o país", sublinha. "Nós dependemos da boa vontade de Erdogan."

Já o presidente do Comitê de Política Externa do Parlamento Europeu, Elmar Brok, encontrou palavras mais duras. "A Turquia vem se distanciando cada vez da posição de um Estado de direito. E isso não só nas últimas semanas da campanha eleitoral, mas mesmo nos últimos um ou dois anos", afirmou, em entrevista a uma rádio alemã.

Ele observou que não dá, ainda, para se saber se as eleições turcas foram realizadas com total lisura, mas que não há evidências de ter havido fraude eleitoral generalizada: "Basicamente, Erdogan pediu aos leitores que decidissem entre ele e o caos, e os eleitores optaram pela estabilidade."

Entretanto, o democrata-cristão Brok viu pouco motivo para empolgação no que diz respeito às negociações da UE sobre a questão dos refugiados. "Não vamos conseguir superar a questão dos refugiados sem Erdogan, e Erdogan está com a faca e o queijo na mão."

Ele destacou que os europeus são obrigados a cooperar com Ancara, inclusive no que concerne ao fim da guerra na Síria, pois a Turquia está presente nas conversações em Viena e, sem os turcos, não poderá ser encontrada uma solução.

"Muito vai depender de Erdogan, se ele chegar para o lado da razão. Depende dele se haverá ou não cooperação turca nas negociações de paz e, antes delas, na questão da migração. Para nós, essa não é uma situação agradável, mas não temos muita escolha, a não ser tentar uma cooperação razoável", assinalou.

A conta de erros passados

"A UE recebe agora, com esta eleição, o recibo por, durante anos, não ter cuidado dos problemas da Turquia", avaliou Rebecca Harms, líder do Partido Verde no Parlamento Europeu. Em qualquer caso, segundo ela, os europeus não devem ignorar o processo de votação turco.

"O processo eleitoral inteiro não preencheu os requisitos democráticos", disse, lembrando a invasão da sede do partido HDP e como o governo agiu com a oposição após o ataque em Ancara. "Erdogan e seu partido criaram um clima de insegurança. E isso se refletiu nas urnas", acrescentou, alertando que a UE não deve fechar os olhos e deve criticar claramente os meios políticos usados pelo AKP para garantir seu poder.

Brüssel Martin Schulz Treffen mit türkischem Präsidenten Tayyip Erdogan
Erdogan com presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, durante visita a Bruxelas em outubroFoto: Reuters/F. Lenoir

A política verde acredita que os europeus devem encontrar palavras claras nas negociações com o presidente turco sobre a crise dos refugiados. Ela se disse a favor da reativação das conversas sobre a adesão turca à UE.

"Mas é bizarro que, nesta situação realmente preocupante, as pessoas comecem a debater sobre a justiça e Estado de direito, depois de anos em que ninguém teve interesse nisso", ressalvou Harms.

De acordo com ela, o relatório da Comissão Europeia sobre a situação na Turquia – cuja divulgação foi adiada, devido às eleições turcas e que deve ser apresentado dentro de dias – provavelmente será muito mais brando em suas críticas a Ancara.

As cartas erradas da UE

"Uma grande coalizão em Ancara se encaixaria mais na vontade da UE", comenta Sinan Ülgen, analista do instituto Carnegie Europe. "Pois a vitória eleitoral do AKP fortaleceu a posição de negociação do governo turco", diz.

Ülgen lembra que o governo não sofre pressão política por causa da crise de refugiados, já que isso não foi um tema na campanha eleitoral. "Então, ele agora pode relaxar e esperar que os europeus venham até ele."

Marc Pierini, ex-embaixador em Ancara e também pesquisador do Carnegie Europe, concorda que as eleições colocarão um obstáculo a mais nas relações entre Turquia e Europa. "Já durante a campanha eleitoral, havia muita preocupação, por causa da polarização incentivada por Erdogan, do fechamento de meios de comunicação da oposição, etc. Tudo isso não se assemelha muito a uma democracia liberal no sentido europeu", explica.

Ele também acredita que a UE tem parcela de culpa nisso. "Em todos esses anos, jogamos as cartas erradas em relação à Turquia, agora vamos ter que enfrentar negociações prolongadas, onde ambos os lados tentam aumentar o preço de suas condições", alerta. "Um consenso pode se tornar difícil", acredita. "Pois depois de sua vitória nas urnas, Erdogan não sente mais pressão política alguma."