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As raízes européias da Turquia

(sm)16 de dezembro de 2004

A Turquia é mais próxima da Europa do que muitos pensam. Quem rejeita o país na UE só ressalta as diferenças, mas há muito em comum. A Turquia combina com a Europa: uma apologia, por Baha Güngör.

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Igreja ortodoxa em IstambulFoto: AP

Não dá para rir de "piadas de turco". É que elas ou não têm graça nenhuma, ou têm um certo teor racista. Mas algumas até têm algo a dizer, como a seguinte, que traz à tona os traumas dos europeus em relação à política européia para a Turquia: "Qual a diferença entre 1683 e hoje? Resposta: Em 1683, os turcos estavam às portas de Viena, hoje eles não saem da porta do Aldi [rede de supermercados mais barata da Alemanha]."

Cultura turca enraizada

Muita gente hoje deseja que a história se repita, sobretudo o êxito do século 17, quando os exércitos otomanos foram obrigados a recuar e desistir da ocupação de Viena. Quando se ouve, em qualquer bar, alguém começar com a frase "Não tenho nada contra os turcos", seguida por um "mas", pode-se ter certeza de que se trata de uma entre muitas pessoas que não estão nada satisfeitas com a paisagem humana mista em muitos bairros das cidades alemãs.

É verdade. Na Alemanha existem cerca de 2,5 milhões de pessoas cujas raízes culturais e religiosas remetem à Turquia. Também é verdade que aumenta cada vez mais o número de descendentes dos primeiros imigrantes vindos da Anatólia há cinco décadas, descendentes nascidos e crescidos nos quatro cantos da Alemanha, de Constança a Flensburg, de Eisenhüttenstadt a Aachen. Com isso, o número de alemães de ascendência turca está crescendo, enquanto diminui o grupo clássico dos turcos aceitos na Alemanha como mão-de-obra operária.

A Turquia "combina" com a Europa?

Por que os turcos querem entrar para a UE, se são muçulmanos e membros de uma cultura completamente diferente da européia? O Império Otomano também sempre quis chegar na Europa, por que será?

"Quem tem medo de lobo não deve virar pastor", reza um ditado anatólio. Quem tem medo de outras religiões e culturas não devia ter chamado a esmo gente de regiões estranhas. Mas quem se diz apto a assumir uma posição de liderança na política mundial deve ser capaz de dialogar com outras culturas e religiões. O abismo que separa finlandeses e portugueses, gregos e irlandeses também é enorme. Mas os turcos têm muito em comum com os países da UE.

O que liga os turcos a irlandeses e finlandeses, portugueses e gregos é o desejo de dividir valores universais como democracia, Estado de direito, direitos humanos e desenvolvimento econômico como ponto de partida para a paz interna e externa. Esta disposição de incorporar os valores e normas europeus é prova de que os turcos interiorizaram um lema do fundador da sua República: "A Turquia tem que se elevar ao nível das civilizações contemporâneas".

Rastros da cultura turca na história européia

A fim de atingir esta meta, ou seja, de se europeizar, extinguiu-se o califado, adotou-se o alfabeto latino e se conferiram às mulheres direitos e deveres bastante modernos para a jurisdição da época.

No entanto, bem antes do acordo de associação de 1963, os turcos já tinham se ocupado um bom tempo da Europa. Em 1492, os judeus espanhóis, cujos descendentes são membros respeitados da sociedade turca até hoje, foram salvos da Inquisição. O compasso três por quatro da valsa vienense conferiu ao gosto musical otomano uma nova dimensão de variedade. As línguas européias foram introduzidas na Turquia, sendo hoje dominadas pelas elites do país.

Para a Turquia de hoje, a aproximação da UE e o início das negociações de ingresso na comunidade coroam um intenso processo de modernização iniciado no apogeu do Império Otomano. Isso também contou com a contribuição de diversos europeus judeus e cristãos refugiados na Turquia durante o nazismo e retornados à Alemanha no fim da guerra, dispostos a participar da reconstrução. Eles sabiam que a Turquia era uma República, proclamada dez anos antes da ascensão de Hitler ao poder e quinze anos antes do pogrom da chamada Noite dos Cristais.

Pontos positivos predominam

Quem busca argumentos contra a Turquia atualmente só procura mostrar os pontos negativos de um país que ingressou no Conselho da Europa já no ano sua fundação e em 1952 se tornou membro da Otan para consolidar e defender os valores liberais e democráticos da Europa. O que se ignora é que os pontos positivos predominam de longe. Foram os turcos que provaram que o Islã, como religião popular, e a democracia laica de perfil europeu não são mutuamente excludentes.

O ingresso da Turquia na UE ainda vai demorar. Pode até ser que o medo da Turquia e de sua aceitação no bloco europeu tenha razão de ser. No entanto, isso não combina com a intenção européia de se empenhar por um mundo melhor, com base na tolerância e no reconhecimento das culturas e religiões. Patriotismo significa se empenhar pelo bem-estar do próprio país, sem repudiar outros países. O nacionalismo, por sua vez, ergue novos muros e "cortinas de ferro" na Europa. Isso tem que ser evitado.

Baha Güngör é diretor da Redação Turca da Deutsche Welle e autor do livro

Die Angst der Deutschen vor den Türken und ihrem Beitritt zur EU (O medo alemão dos turcos e de seu ingresso na UE).