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Mostra desata nós entre imagens e poder

Soraia Vilela8 de junho de 2004

Exposição em Bonn traça perfil das intrincadas relações entre poder e imagem no país, dissecando encenações políticas durante a República de Weimar, passando pelo regime nazista e indo até o "politainment" de hoje.

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1969: Charles Wilp (dir.) prepara ex-chanceler Willy Brandt para fotos de campanhaFoto: General Media Ltd., Düsseldorf

Em suma, trata-se daquilo que Roland Barthes já havia, em 1957, desmascarado em seu Mitologias (uma análise aguda dos mitos do cotidiano): a conclusão de que não há linguagem isenta das estruturas ideológicas e de poder. Na mostra em tom quase didático, organizada pela "Casa da História", na ex-capital alemã, procura-se ensinar ao visitante como detectar o que está por detrás do circo midiático da política.

"Na guerra que opõe as imagens à capacidade de discernimento do cidadão, a razão é quem sai perdendo". A frase de um historiador anônimo ilustra o que a exposição, em quatro blocos, tenta explicar ao visitante através de 500 exemplares de pequenas e grandes encenações políticas. Estas vão desde os trejeitos "publicitários" dos donos do poder durante a República de Weimar, passando pelas acrobacias maquiavélicas nazistas a partir de 1933, até um panorama do pós-guerra na Alemanha então dividida.

Ilusão x realidade

A mostra deixa claro que a encenação política através do uso de imagens fez escola no país. Entre os exemplos concretos de ontem e hoje estão expostos detalhes que deixam clara a dramaturgia que fornece o contorno aos "mitos do cotidiano". Entre as "curiosidades" históricas estão as referências à assessoria fornecida a Hitler por um cantor de ópera, responsável por aperfeiçoar a retórica do ditador.

Além de documentos oficiais que registram a proibição de que quaisquer fotos do Führer "na vida privada" fossem publicadas. Isso incluía toda imagem em que ele aparecia usando óculos ou mesmo uma mera lupa, com aparência de cansaço ou doença e, quanto menos, ao lado da amante Eva Braun. Exposto ao visitante, o aparato ditatorial é visível em prol da "propaganda, propaganda, tanto tempo até que daí surja uma crença. E não se saiba mais o que é ilusão e o que é realidade", como rezava a cartilha nazista.

Ausstellung Bilder der Macht Haus der Geschichte
Culto a Stalin na ex-Alemanha OrientalFoto: Stadtarchiv Eisenhüttenstadt

Malabarismos midiáticos no Leste e Oeste

Ao encerrar o capítulo sobre o nazismo, a exposição lembra o culto a Stalin, ícone central na então República Democrática Alemã (RDA), de regime comunista, nos primeiros anos do pós-guerra. Às imagens do ex-ditador russo segue-se uma descrição detalhada dos malabarismos midiáticos de ex-chefes de governo da Alemanha Oriental, como Walter Ulbricht e Erich Honecker, oferecidos às massas como líderes trabalhistas.

Enquanto isso, do outro lado do Muro de Berlim, a ex-Alemanha Ocidental também vendia aos cidadãos imagens minuciosamente arquitetadas de seus políticos. Se a aspereza de Konrad Adenauer simbolizava "a integração ocidental e a reconstrução", os anos de Willy Brant como chefe de governo foram moldados ao exemplo de John F. Kennedy – uma tentativa de imprimir à Alemanha um caráter de "modernidade".

Curioso nesse contexto é então ouvir o depoimento de Matthias Brandt, filho do ex-chanceler federal, já adulto, relembrar uma peça veiculada durante a campanha eleitoral do pai, em que a família reunida e feliz pesca e grelha peixes, mesmo sob uma chuva torrencial. "Foi criada essa lenda de que meu pai gostava de pescaria, o que não era nem de longe verdade. Por isso, acumulavam-se anzóis em nosso porão, recebidos de presente e nunca usados".

Cidadãos: meros espectadores frente à tevê

Depois viriam os anos do ex-chanceler Helmut Schmidt, a era Helmut Kohl e os dias de hoje, considerados pelos curadores da exposição como um tempo em que "a participação do cidadão na política se resume gradualmente à função de espectadores frente à tevê".

Jornalistas e publicitários na função de consultores de políticos do primeiro escalão, transformam os mesmos em atores, que são por sua vez aplaudidos pela grande massa. A informação política, como se vê nos enormes monitores com trechos de programas de tevê ou campanhas eleitorais, chega ao público recheada com elementos voltados para a diversão. De onde se cunha o novo termo politainment – a mistura de política com entertainment (entretenimento).

O último pilar da mostra na Casa da História está fincado nos dias de hoje, com imagens do atual chefe de governo Gerhard Schröder, do ministro das Relações Exteriores Joschka Fischer e de políticos de diversos matizes. Em todos os casos, transparece o que políticos de todas as facções acabam tendo em comum, independente da linhagem ideológica que representem: a existência esquizofrênica que oscila entre uma seriedade sisuda de funcionário público e a encenação novelesca no palco da mídia.

Metamorfoses ambulantes

Preparados nos mínimos detalhes por seus consultores de plantão, agem com respeito admirável aos códigos a eles impostos. Schröder, por exemplo, ao receber uma derrotada seleção alemã de futebol, de volta à casa após a desclassificação na Copa do Mundo, aparece em um terno exatamente idêntico ao usado pelo técnico Rudi Völler durante as partidas do campeonato.

Por esses e outros "acasos" encenados, um dos momentos interessantes da exposição está no trabalho da fotógrafa Herlinde Koelbl, que retratou durante oito anos várias personalidades da vida política alemã.

Ao lado das fotos, estão estampados depoimentos dos mesmos nesse período, como a sábia definição de Joschka Fischer, cuja trajetória (visual e de linguagem) sofreu sensíveis modificações no decorrer da última década, indo de um político verde alternativo, de tênis e calça jeans, à formalidade dos ternos bem cortados e de um discurso que representa o poder: "A metamorfose de um cargo público pelo homem demora um pouco mais que a metamorfose do homem pelo cargo".