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A revolução silenciosa das criptomoedas em África

Ineke Mules
25 de outubro de 2020

As transações em criptomoedas em África estão a crescer rapidamente, principalmente na Nigéria, na África do Sul e no Quénia. A moeda virtual oferece vantagens para os jovens empresários e para as remessas da diáspora.

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Symbolbild Bitcoin
Foto: Getty Images/D. Kitwood

África está a sofrer uma revolução económica que nada tem nada a ver com bancos e sem sinais de políticas económicas desatualizadas a serem revistas, por enquanto.

Durante o ano passado, as transferências mensais de criptomoedas de e para África inferiores a 10 mil dólares (o equivalente a cerca de 8.500 euros) dispararam mais de 55%, atingindo um pico de 316 milhões de dólares em junho.

Estes números, que se baseiam em dados da empresa de investigação de blockchain norte-americana Chainalysis, são suscetíveis de continuar a aumentar. E enquanto as criptomoedas são habitualmente mais utilizadas por investidores financeiros noutras partes do mundo, África está a contrariar esta tendência e a utilizá-la no comércio, sendo os indivíduos e as pequenas empresas na Nigéria, África do Sul e Quénia responsáveis pela maior parte desta atividade.

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O que são criptomoedas?

Em termos simplificados, as criptomoedas visam cortar o intermediário - tais como empresas de cartões de crédito ou bancos - quando se trata de transações digitais. As criptomoedas dependem de um controlo descentralizado e todas as transações são armazenadas numa base de dados denominada blockchain. Isto protege-os, em teoria, de qualquer interferência dos governos ou de outros tipos de manipulação.

"Para a maioria das pessoas, quando ouvem criptomoedas, pensam que é apenas dinheiro na Internet", conta à DW Elisha Owusu Akyaw, uma comerciante de criptomoedas a viver no Gana e fundadora da publicação digital BlockNewsAfrica.

"As criptomoedas pegam essencialmente no que o dinheiro é para muitas pessoas e utilizam a tecnologia para o tornar mais transparente e menos centralizado, para que todos tenham um lugar à mesa quando se trata do futuro das finanças", explica.

A Bitcoin - a moeda original e ainda de longe a mais popular criptomoeda - foi criada em 2008 por uma pessoa ou um grupo de pessoas desconhecidas sob o pseudónimo de Satoshi Nakamoto. Desde então, foram criados mais de seis mil outros tipos de criptomoedas, incluindo outras opções populares como a Ethereum e a Litecoin.

Então, o que faz de África a possível nova grande aposta das criptomoedas?

M-Pesa Schalter Straßenansicht
Muitos africanos já estão familiarizados com serviços de dinheiro móvel como a M-Pesa.Foto: DW

Campo fértil para dinheiro virtual

Com um número crescente de africanos já familiarizados com serviços de dinheiro móvel como a M-Pesa, as pessoas da indústria dizem que não surpreende que as criptomoedas tenham conseguido ganhar espaço no continente de forma relativamente rápida.

"As criptomoedas funcionam basicamente como o dinheiro móvel, por isso é mais fácil para os africanos compreenderem, ao contrário das pessoas no Ocidente que já tinham mais inclusão financeira e acesso fácil aos sistemas bancários", justificou à DW Emmanuel Tokunbo Darko, empresário da tecnologia do Gana e comerciante digital de blockchain.

"O ponto que escapa à maioria das pessoas - e que o mundo criptográfico está a conseguir aproveitar - é que África é a próxima fronteira do desenvolvimento e do crescimento económico global", afirma.

Com uma geração crescente de jovens profissionais adaptáveis e futuros empreendedores, África está numa posição única para tirar o máximo partido do "boom" da moeda criptográfica. As elevadas taxas de desemprego em muitos países significam que os jovens estão a contornar o sistema tradicional e a procurar novas formas de ganhar dinheiro.

"No continente africano, os empregos não estão facilmente disponíveis para a maioria das pessoas que terminaram a escola", justifica Akyaw. "Mas com o sistema de criptomoedas, as pessoas são capazes de iniciar o seu próprio negócio, conseguem trabalhar para grandes marcas fora do seu próprio país através de criptomoedas e ganhar a vida por si próprias", acrescenta.

Evitar a instabilidade da moeda

Os tombos financeiros por parte de alguns governos africanos também desempenharam um papel no "boom" das criptomoedas, com muitas pessoas a optarem por negociar em moedas digitais em vez de moedas locais pouco fiáveis, que são mais vulneráveis à hiperinflação. Quando o dólar zimbabueano disparou em 2015, muitas pessoas começaram a transacionar em Bitcoin.

"Agora, têm esta alternativa às moedas tradicionais geridas pelo Governo, onde historicamente tem havido tantos erros e efeitos secundários negativos", argumenta Chris Becker, o líder das tecnologias de blockchain do grupo bancário internacional Investec, sediado na África do Sul.

Na melhor das hipóteses, Becker prevê o surgimento de criptomoedas que poderão ajudar algumas economias africanas a longo prazo.

"Estas moedas concorrentes estão a operar a par das moedas locais, o que penso que dará a estas economias um maior nível de resistência", diz ele.

Uma vitória para as remessas 

Simbabwe Währung
Quando o dólar zimbabueano disparou em 2015, muitas pessoas começaram a transacionar em Bitcoin.Foto: Imago Images/Xinhua Afrika

A crescente diáspora africana também saltou para o comboio das criptomoedas, com muitos a escolherem-nas em vez dos serviços de transferência tradicionais, como o MoneyGram, como forma de enviar remessas através das fronteiras a baixo custo.

"Para os africanos da diáspora que enviam dinheiro de volta para casa, o custo das transferências bancárias é astronómico", diz Darko. "Por vezes chega a atingir 20%. Mas existem algumas moedas criptográficas que permitem [às pessoas] praticamente enviar dinheiro de volta para África de graça", avalia.

Mais pessoas estão também a utilizar novas empresas de remessas como a Bitpesa, sediada em Nairobi, no Quénia, que utiliza a Bitcoin para transferências internacionais de dinheiro. Para além de evitar taxas bancárias, também salta o processo de conversão de câmbio, substituindo o dólar pela Bitcoin.

Um negócio arriscado? 

Claro que a incursão de África nas criptomoedas não se faz sem riscos. A própria natureza da criptomoeda significa, para começar, que os preços são voláteis.

As moedas virtuais permanecem não regulamentadas em muitos países africanos e o seu estatuto legal é muitas vezes pouco claro, o que significa que não existe uma rede de segurança para compensar a perda de fundos. Os investidores a curto prazo são mais suscetíveis de serem duramente atingidos por quedas repentinas.

Darko diz que qualquer pessoa que queira começar a utilizar criptomoedas deve ter cuidado e estudar bem o assunto, uma vez que a compra e venda requer conhecimentos técnicos.

"Devido a uma falta de educação, as pessoas são enganadas em alguns esquemas que não são criptográficos", explica. "Por isso, é aconselhável educarem-se sobre o assunto. A criptografia parece um pouco complexa para muitas pessoas, enquanto que na verdade a criptografia é muito simples, se gastarmos tempo a compreendê-la", entende.

Num continente onde a taxa de literacia já é baixa, os comerciantes de criptomoedas como Akyaw dizem que aqueles que são inexperientes com as novas tecnologias correm um maior risco de serem vítimas de um número crescente de fraudes criptográficas, ou de investir nos mercados errados.

"A criptomoeda e a blockchain são mais fáceis de compreender por pessoas que já têm educação e que já estão expostas à tecnologia", expõe. "É um pouco difícil fazer com que as pessoas mais velhas compreendam e ultrapassem a curva de aprendizagem que vem com a tecnologia".

O que reserva o futuro?

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Por todo o continente, muitos países estão a lutar para criar legislação para se prepararem para um possível futuro onde a criptomoeda seja a norma.

A maior economia de África, a Nigéria, está a liderar o caminho, tendo recentemente legalizado as criptomoedas e emitido diretrizes reguladoras para moedas digitais e empresas ou start-ups baseadas em criptologia.

Outros países como a África do Sul e o Quénia não estão muito atrás da Nigéria. Os principais reguladores financeiros da África do Sul, incluindo o South African Reserve Bank, publicaram um documento de políticas em abril com recomendações para a regulamentação das criptomoedas. Entretanto, o Quénia vai experimentar um imposto digital a partir de janeiro de 2021, abrindo possivelmente a porta a mais regulamentação das criptomoedas.

Embora seja ainda demasiado cedo para dizer se as criptomoedas se vão manter a longo prazo, aqueles que estão familiarizados com a moeda digital dizem que é algo que os jovens africanos, em particular, deveriam considerar estudar.

"Não é difícil perceber de que é este o caminho das finanças", diz Akyaw. "Muitas grandes marcas descartaram inicialmente o potencial das criptomoedas, dizendo que ia simplesmente desaparecer. Já passaram mais de dez anos e as criptomoedas continuam a crescer e estão cada vez mais fortes", conclui.

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