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Críticas à Justiça na reta final do caso "dívidas ocultas"

11 de março de 2022

Dezanove arguidos, oito advogados e Ministério Público tiveram a palavra esta semana, na reta final do julgamento das dívidas ocultas em Maputo. Para muitos, faltam provas e figuras-chave no processo.

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Juiz do caso das dívidas ocultas, Efigénio Baptista, e procuradora Ana Sheila Marrengula
Juiz Efigénio Baptista e procuradora Ana Sheila Marrengula: duas figuras habituais no julgamento das dívidas ocultasFoto: Romeu da Silva/DW

1 de agosto de 2022 é a data apontada pelo juiz Efigénio Baptista para a leitura da sentença do julgamento das dívidas ocultas. Mas ainda poderá sofrer alterações, já que, pela frente, defesa, acusação e juiz ainda têm alguns atos processuais e despachos, incluindo o debate sobre um pedido de arresto provisório dos 19 arguidos.

O Ministério Público quer a pena máxima ou próxima dela para quase todos. E todos, por sua vez, reiteraram esta semana a sua inocência. Houve tempo ainda para apontar mais uma vez o dedo à acusação pela politização do julgamento, que começou em agosto do ano passado.

O advogado Isálcio Mahanjane, que defende Ndambi Guebuza, filho do ex-chefe de Estado, e Inês Moiane, secretária de Armando Guebuza, acusa a Procuradoria de trabalhar com uma agenda oculta, tirana, e presa às amarras políticas. O alvo: a família do ex-Presidente.

"Os primeiros sinais deste volte-face foram as intimações levadas a acabo pela PGR contra sua excelência Armando Emílio Guebuza, para que fosse ouvido nestes autos, com respostas a quesitos com dispensa de audição ao Conselho de Estado para a respetiva autorização sob ameaça de instauração de um processo-crime por desobediência."

Vítimas de uma "cabala política"?

Mahanjane defende também António Carlos do Rosário. Nas alegações finais, o antigo diretor da Inteligência Económica do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE) queixou-se igualmente de ser vítima de um jogo político. "Nós temos consciência que a matéria que aqui foi produzida é bastante para provar que estamos a ser vítimas de uma cabala política em que se faz tudo para escamotear a verdade."

Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza

Enquanto os réus falam de provas de conspiração política contra si, o Ministério Público considera que apresentou provas suficientes do recebimento de subornos pelos arguidos.

O analista Dércio Alfazema, do Instituto para a Democracia Multipartidária, não tem dúvidas de que ficou provada a culpa de alguns arguidos neste processo - sobretudo os que ocupavam cargos de direção no Estado.

"Nós falamos que não vimos o dinheiro, mas em relação aos subornos está claro que se construíram hotéis, compraram-se diferentes infraestruturas, bens móveis e imóveis", lembra.

Além das penas de prisão, o Ministério Público quer que os réus paguem uma indemnização no valor de 2,3 mil milhões de euros pelo "maior calote da história de Moçambique". E considera "asqueroso" o "roubo" cometido pelos 19 arguidos. É linguagem "colorida" que não agrada a Abdul Gani, advogado do arguido Gregório Leão, ex-diretor-geral do SISE.

"O que [a magistrada do Ministério Público] disse foi que esses réus são delinquentes, comparsas, bandos, malfeitores, quadrilha, roubo. Isto é admissível? Esses senhores gozam de presunção de inocência", criticou.

Faltam figuras-chave no banco dos réus

Dércio Alfazema considera que, no grupo de arguidos, faltam algumas figuras-chave. Os bancos que financiaram os empréstimos secretos ao Estado, a empresa libanesa Privinvest, acusada do pagamento de subornos, e o antigo ministro das Finanças, Manuel Chang, são apenas alguns dos exemplos.

"Para mim, continua a ser um julgamento parcial que decorreu envolvendo apenas os intermediários e todos aqueles que  beneficiaram dos tais subornos", critica o analista.

Por isso, sublinha, muito ficou por esclarecer: "Não ficou claro onde foi parar o dinheiro, para além do dinheiro pago pelos subornos, onde estão os equipamentos adquiridos, se é que foram adquiridos. Vimos o réu António Carlos do Rosário a insistir que existe material, aviões que foram comprados, mas ninguém sabe onde estão, se funcionam e porque não são usados para fazer face à questão do terrorismo."

São questões que continuam sem resposta, depois de vários meses de um julgamento acompanhado em direto pelos moçambicanos. Um caso "que ganhou contornos de um 'reality show'", nas palavras do advogado Isálcio Mahanjane.