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Ucrânia: Economia russa continua a resistir às sanções

Arthur Sullivan
23 de fevereiro de 2024

Há dois anos, foram impostas duras sanções à Rússia, depois de ter invadido a Ucrânia. No entanto, as previsões de um colapso económico não se concretizaram.

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Vladimir Putin

Passaram dois anos desde a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia e há um ponto em que os economistas estão de acordo: a economia russa não entrou em colapso, embora fosse esse o cenário que muitos previam quando a União Europeia, os Estados Unidos (EUA) e outros países impuseram sanções sem precedentes, após o lançamento da operação militar, em fevereiro de 2022.

Atualmente, o debate sobre a economia russa nas capitais ocidentais assumiu um tom mais sóbrio. Já poucos questionam a sua resiliência. O que suscita discordância é a solidez dos alicerces que estão por detrás dos números atualmente positivos do país.

O Fundo Monetário Internacional previu recentemente que o PIB (Produto Interno Bruto) aumentaria 2,6% na Rússia este ano - um aumento acentuado em relação à sua estimativa de outubro. Este valor vem juntar-se a uma taxa de crescimento de mais de 3% em 2023. Entretanto, as receitas do petróleo estão novamente a aumentar e o desemprego encontra-se num nível historicamente baixo.

Ainda assim, as dúvidas persistem. 40% de todas as despesas orçamentais do Kremlin em 2024 destinam-se à defesa e à segurança. Trata-se de uma economia de guerra e, segundo os especialistas, perigosamente sobreaquecida.

A escassez de mão de obra é cada vez maior e a inflação é constantemente elevada. As sanções também continuam a causar danos, sobretudo quando os líderes ocidentais procuram novas formas de atingir o poder de compra de Moscovo.

40% das despesas orçamentais russas em 2024 destinam-se à defesa e à segurança
40% das despesas orçamentais russas em 2024 destinam-se à defesa e à segurançaFoto: AFP/Getty Images/M. Antonov

Como a Rússa sobreviveu - e até cresceu

Em entrevista à DW, Elina Ribakova, economista do Instituto Peterson de Economia Internacional, aponta três razões principais para o facto de a economia russa se ter aguentado tão bem.

A primeira é o facto de o sistema financeiro russo estar suficientemente preparado para resistir à onda de sanções bancárias e financeiras que se abateu nas primeiras semanas, tendo estado em modo de resposta à crise desde a invasão da Crimeia, em 2014.

A segunda é o facto de a Rússia ter podido usufruir de enormes receitas provenientes das exportações de petróleo e gás em 2022, porque as potências ocidentais demoraram demasiado a visar essas exportações, mesmo quando os preços subiram após a invasão.

A terceira razão identificada pela economista é que os controlos das exportações não funcionaram de modo a impedir que a Rússia recorresse a países terceiros para introduzir bens de que necessita para o seu complexo militar-industrial.

No entanto, Benjamin Hilgenstock, da Escola de Economia de Kiev, recorda que, apesar de a economia russa se ter saído melhor do que o esperado, as sanções continuaram a ter um grande impacto: "A conclusão continua a ser a de que o ambiente macroeconómico da Rússia se deteriorou significativamente e que muito disso se deveu às sanções".

O responsável sublinha que as receitas das exportações russas de petróleo e gás caíram em 2023 em comparação com 2022 e que o Banco Central russo teve de aumentar as taxas de juro para 16% devido à elevada inflação.

Refinaria russa
Refinaria russaFoto: Dmitry Rogulin/picture-alliance/dpa/ITAR-TASS

Vencer as sanções

Ainda assim, o desempenho russo deve-se muito à forma como Moscovo contornou as sanções. Duas das mais impressionantes são a maneira como evitou os controlos das exportações para continuar a adquirir produtos ocidentais e como continuou a vender o seu petróleo em todo o mundo, apesar de a aliança ocidental ter introduzido um limite máximo para o preço do petróleo em dezembro de 2022.

O objetivo dessa medida era restringir os serviços ocidentais de transporte de petróleo russo se o petróleo não fosse vendido abaixo de 60 dólares (56 euros) por barril. No entanto, há quase um ano que a Rússia tem vindo a vender o seu petróleo quase ao preço de mercado.

Este facto deve-se, em grande parte, à sua chamada "frota sombra de navios", que tem ajudado o petróleo russo a chegar aos mercados de países como a China, a Índia e o Paquistão sem estar sujeito ao limite máximo.

Os Estados Unidos têm vindo a sancionar cada vez mais os navios e as entidades que consideram estar a violar o limite e Hilgenstock diz que isso é crucial para limitar as receitas da exportação de petróleo russo: "Estas medidas podem efetivamente retirar embarcações da 'frota sombra' durante um período considerável".

Em termos de restringir o acesso da Rússia a componentes ocidentais através de importações de países terceiros, Hilgenstock afirma que os bancos têm um papel fundamental a desempenhar. O analista destaca a ordem executiva emitida pelo Presidente dos EUA, Joe Biden, em dezembro, que autoriza possíveis sanções contra bancos estrangeiros que permitam transações que ajudem a financiar a base militar-industrial da Rússia.

"As instituições financeiras têm um papel importante a desempenhar no que diz respeito à aplicação de controlos especializados, porque podem ver algumas destas transações do lado financeiro que podem ser muito difíceis de rastrear fisicamente", explica.

Montagem de cartuchos para armas utilizadas por militares russos
Montagem de cartuchos para armas utilizadas por militares russosFoto: Stanislav Krasilnikov/TASS/dpa/picture alliance

Os riscos da economia de guerra

Outro fator crucial para o bom desempenho económico russo é a despesa com a defesa, que triplicou desde 2021.

"Hoje em dia, temos sobretudo uma economia de guerra", diz Elina Ribakova. A economista acredita que isto está a impulsionar o PIB, com a elevada despesa pública a alimentar a produção de grandes quantidades de mísseis, artilharia e drones.

No entanto, acrescenta, esta "é uma grande atividade, mas não é uma atividade produtiva a médio prazo. Não é bom para a economia. Basicamente, é um desperdício".

Chris Weafer, consultor de investimentos que trabalha na Rússia há mais de 25 anos, alerta para consequências negativas a longo prazo se a despesa extra for maioritariamente em bens "consumíveis", em vez de um investimento mais profundo na base industrial do país.

"As reservas vão esgotar-se e, quando o conflito terminar, a economia ficará muito mais danificada e com muitas dúvidas sobre o que fazer a seguir", explica.

Segundo o consultor, outro elemento chave da economia de guerra do país é a mudança no mercado de trabalho. O serviço militar obrigatório e o facto de cerca de um milhão de trabalhadores altamente qualificados terem deixado a Rússia desde 2022 significa que há agora falta de trabalhadores em várias áreas. O desemprego é quase inexistente, mas os salários aumentaram significativamente ao longo de 2023.

"Esse aumento nos rendimentos tem sido um grande impulsionador desse aumento na inflação do consumo", afirma, em entrevista à DW. "Quanto mais tempo demorarem a lidar com isso, mais desafiador, mais caro e mais prejudicial esse problema da força de trabalho em declínio será para a economia".

Carregamento de petróleo russo chega a Karachi, no Paquistão, em junho de 2023
Carregamento de petróleo russo chega a Karachi, no Paquistão, em junho de 2023Foto: Karachi Port Trust/AP/picture alliance

Até quando?

Mas esta não é a primeira vez que a economia russa desafia previsões desastrosas. Weafer afirma que a enorme base de recursos do país foi consistentemente subestimada aquando da aplicação das sanções, apontando para a importância contínua do petróleo e do gás nos mercados globais, bem como de matérias-primas como o urânio, que os EUA ainda compram em grandes quantidades.

O consultor critica a União Europeia, em particular: "Dizem que 'a economia não colapsou em 2022 ou 2023, mas irá colapsar agora por causa da despesa militar'. Isso é apenas economia política. É uma ilusão", considera.

Para Ribakova, o destino da Ucrânia está intimamente ligado ao desempenho económico da própria Rússia. As sanções nunca serão suficientes para travar a agressão russa, mas é fundamental que a aliança ocidental faça mais para limitar a capacidade do Kremlin de prosseguir com a guerra.

"Estamos a dar apoio financeiro à Ucrânia com uma mão e depois estamos a dar à Rússia com outra mão. Continuamos a comprar a sua energia, não estamos a aplicar totalmente o limite do preço do petróleo e o embargo, e ainda não estamos a aplicar totalmente os controlos de exportação", afirma. "É um problema enorme".

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