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Por que ocorrem golpes de Estado nas ex-colónias francesas?

Isaac Kaledzi
16 de agosto de 2023

Algumas antigas colónias francesas em África estão rapidamente a ganhar notoriedade devido a golpes militares. Analistas apontam os elevados níveis de pobreza, a comunicação social e a excessiva influência francesa.

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Pro-Putsch-Demo in Nigers Hauptstadt Niamey
Foto: AFP/Getty Images

A instabilidade política nas antigas colónias francesas da África Ocidental tem sido marcada por uma série de tomadas de poder militares. Desde 2020, os sentimentos anti-franceses parecem ter desencadeado, ou pelo menos contribuído para desencadear, golpes de Estado no Burkina Faso, na Guiné, no Mali e, mais recentemente, no Níger.

O advogado senegalês dos direitos humanos, Ibrahima Kane, da Open Society Foundation, disse à DW que os sentimentos que procuram separar-se da influência francesa são reais.

"A perceção que os franceses têm dos nossos cidadãos nunca mudou. Sempre nos consideraram cidadãos de segunda classe. Sempre trataram os africanos, particularmente os africanos francófonos, de uma certa forma. E a África Ocidental quer que essa situação mude", disse.

Mas o analista de assuntos africanos, Emmanuel Bensah, especialista no bloco regional CEDEAO, disse à DW que os sentimentos anti-coloniais não explicam totalmente os recentes golpes de Estado na região.

"Tem havido uma questão colonial com os franceses e os britânicos na África Ocidental. Mas isso não significa que cada um dos Estados membros esteja a pegar em armas com soldados. Os países anglófonos não pegaram em armas e, no entanto, estamos na mesma sub-região", afirmou.

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Perder a esperança na democracia

Ao contrário da África anglófona, que tem atualmente um clima político relativamente estável, a democracia de tipo ocidental não ganhou uma base sólida na África Ocidental francófona.

"Nos países africanos francófonos, existe a sensação de que os franceses estiveram sempre ao lado dos detentores do poder, independentemente da sua popularidade. Há sempre uma ligação muito forte entre a França e o governo que, em muitas situações, não é muito amigável com a sua própria população", afirma Ibrahima Kane.

Acrescenta que a mesma raiva está a ser dirigida aos governos democraticamente eleitos e apoiados pela França que permitem intervenções militares.

No Níger, milhares de pessoas reuniram-se para apoiar a junta militar que derrubou o Presidente Mohamed Bazoum, fazendo eco do descontentamento em relação aos governos democraticamente eleitos.

O analista nigeriano de governação, Ovigwe Eguegu, afirma que os líderes eleitos nas antigas colónias francesas pouco fizeram para melhorar a vida dos cidadãos.

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"É por isso que temos estes golpes populistas. Estes são golpes populistas, temos de ser francos", disse à DW.

Para Eguegu, se as pessoas não virem os benefícios de um governo democraticamente eleito, então haverá muito pouco apoio para eles em tempos de crise.

"Porque é que se hão-de envolver no exercício do voto e nada muda? Para eles, os [golpes] são vistos como uma forma de chocar o sistema para ver se isso pode levar a um resultado muito melhor", disse ele, embora Eguegu tenha admitido que a liderança militar raramente melhorou a situação.

Bram Posthumus, um jornalista independente que trabalha na África Ocidental, coloca a questão de forma mais direta:

"Uma das coisas que estes golpes sucessivos demonstram é a noção bastante clara de que a experiência com a democracia de estilo ocidental no Sahel, pelo menos, foi um completo fracasso", disse à DW.

Mas, nalguns casos, foram as lutas internas entre a classe política no poder que desencadearam estes golpes. Dias antes do seu derrube, o presidente deposto do Níger, Bazoum, terá planeado demitir o atual líder do golpe.

No Burkina Faso, desentendimentos entre soldados também desencadearam um segundo golpe, depois de os militares terem deposto o Presidente Roch Kabore num golpe de Estado em 2022.

Niger, Niamey | General Mohamed Toumba bei einer Kundgebung von Anhängern der Putschisten
Golpes de Estado na África Ocidental, como no Níger, foram "populistas", segundo os analistasFoto: Balima Boureima/AA/picture alliance

Pobreza endémica

Alguns especialistas atribuíram também os recentes golpes de Estado à pobreza endémica em muitas das antigas colónias francesas.

Só em 2020 foi aprovado o tão esperado projeto de lei que ratifica o fim do franco CFA, uma moeda da África Ocidental controlada pelo Tesouro francês. Foram necessários 75 anos para que isso acontecesse.

A França tem sido acusada de explorar os recursos naturais destes países, enquanto se esforça por resolver os problemas económicos diários dos cidadãos.

Posthumus afirmou que, com estas frustrações crescentes, os cidadãos perdem frequentemente a confiança e a paciência nos processos democráticos.

"A democracia não resolveu nenhum dos problemas básicos das pessoas, seja a violência, seja a pobreza e a falta de oportunidades económicas. E essas juntas são muito hábeis em fazer as pessoas acreditarem que vão resolver esses problemas. Mas não vão", afirmou.

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Sociedade civil e meios de comunicação social ineficazes

A preocupação de Emmanuel Bensah, porém, é que a África francófona ainda não desenvolveu plenamente sistemas e instituições de governação resilientes para resolver os desafios do desenvolvimento.

"Se olharmos para os países como o Gana, a Nigéria, a Gâmbia, a Libéria e a Serra Leoa, por muito pobres que sejam, há uma sociedade civil a trabalhar ativamente no terreno, juntamente com uma comunicação social vibrante que procura responsabilizar, pelo menos, os detentores do poder", afirmou.

Bensah disse que a África anglófona estava a fazer enormes progressos na amplificação de diferentes vozes, o que não acontece na África francófona.

"O desafio sempre se deveu ao facto de, durante muito tempo, muitas coisas terem sido ditadas pela França, o que não permitiu o crescimento da sociedade civil local", afirmou.

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Insegurança no Sahel

A contínua deterioração da segurança na maior parte das antigas colónias francesas em África também alimentou os recentes golpes de Estado no Burkina Faso, Guiné, Níger e Mali. A região do Sahel tem sido afetada por insurreições desde 2012, começando no Mali.

Em 2015, alastrou ao Burkina Faso e ao Níger e, atualmente, os Estados do Golfo da Guiné estão a sofrer ataques esporádicos.

Segundo as Nações Unidas, o aumento da insegurança no Sahel representa uma "ameaça global", uma vez que a situação humanitária se agrava com a fuga de milhares de pessoas.

Os países ocidentais, incluindo a França, tentaram, sem sucesso, combater a insegurança na região. No Mali e no Burkina Faso, as suas missões militares foram convidadas a abandonar o país.

A CEDEAO, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, está sob pressão para travar a onda de golpes de Estado. Mas a sua reação tem sido, normalmente, a imposição de sanções.

Reforma da CEDEAO

A recente decisão do bloco de ativar uma força de reserva para uma potencial intervenção militar no Níger dividiu os governos regionais e é problemática para analistas como Eguegu.

"ACEDEAO teria de reformular o seu manual quando se trata de lidar com mudanças inconstitucionais de governo".

Bensah acrescenta que o bloco deveria antes ajudar as antigas colónias francesas a reforçar as suas instituições democráticas.

"Eles [África Ocidental Francófona] precisam de identificar as organizações da sociedade civil com as quais devem começar a falar e depois convidá-las a começar a desenvolver as suas capacidades", disse.