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Mais Médicos volta reformulado no governo Lula

20 de março de 2023

Programa criado em 2013 para levar médicos a regiões remotas sobreviveu a polêmicas, reformas e desmonte e quase foi extinto na gestão Bolsonaro. Agora, prevê a contratação de mais 15 mil profissionais até o fim do ano.

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Fila de atendimento em unidade básica em São Paulo
Criado em 2013, Mais Médicos era voltado a ampliar acesso a saúde no BrasilFoto: Getty Images/AFP/M. Schincariol

Quase dez anos após seu lançamento e algumas de tentativas de aposentá-lo, o Mais Médicos voltou com força total nesta segunda-feira (20/03). Em uma cerimônia no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silvalançou a nova versão do controverso programa que trouxe profissionais de saúde cubanos para ampliar o atendimento em áreas distante do país.

Batizado de Mais Médicos para o Brasil, o novo programa dará prioridade a brasileiros e pretende ampliar o número de profissionais de saúde no SUS, principalmente em áreas mais vulneráveis. Haverá ainda investimentos na construção e reformas de unidades básicas para o atendimento da população. Somente neste ano, o governo pretende abrir 15 mil vagas e investiráR$ 712 milhões. Do total de novas vagas para este ano, 5 mil serão abertas por meio de edital já em março. As outras 10 mil serão oferecidas em formato que prevê contrapartida de municípios, o que, de acordo com o governo federal, garantirá às prefeituras menor custo, maior agilidade na reposição de profissionais e condições de permanência nessas localidades. 

Além da bolsa, os profissionais também receberão benefícios, terão direito a licença maternidade de até seis meses e paternidade de até 20 dias, e poderão fazer especialização e mestrado durante o tempo que estiverem no programa, que tem duração de quatro anos, prorrogáveis por igual período. O objetivo é conseguir manter os profissionais em regiões de difícil acesso. Dados do próprio Ministério da Saúde mostram que 41% dos participantes desistem do programa em busca de capacitação e qualificação.

Dependendo do local de atuação, o novo Mais Médicos também prevê benefícios aos profissionais que receberam o Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), o que auxiliará no pagamento da dívida.

A previsão é que, até dezembro de 2023, cerca de 28 mil profissionais no total estejam fixados no país, sobretudo em áreas de extrema pobreza, garantindo atendimento médico a 96 milhões de brasileiros.

Programa controverso

Ao longo destes quase dez anos, o antigo programa, que chegou a beneficiar 63 milhões de brasileiros, segundo o governo, foi alvo de polêmicas, reformas e sofreu um desmonte. O ex-presidente Jair Bolsonaro lançou um substituto e prometeu sua extinção, porém, a demora na implementação do Médicos pelo Brasil e a mudança de governo salvaram o Mais Médicos.

Lançado em julho de 2013 pelo governo de Dilma Rousseff, uma das principais metas do Mais Médicos era ampliar o acesso à saúde levando médicos a regiões onde havia escassez de profissionais. As vagas que não fossem ocupadas por brasileiros seriam preenchidas por médicos de outros países, principalmente cubanos.

Na época, o Ministério da Saúde estimava que faltassem 54 mil médicos no país. Em 2013, o Brasil tinha 1,8 médico por mil habitantes. Com essa média, ficava atrás de países desenvolvidos, como Inglaterra (2,7) e Alemanha (3,6), mas também perdia para a Venezuela (1,9). Os profissionais estavam ainda concentrados em algumas áreas, fazendo com que muitos estados tivessem menos médicos do que a média nacional.

O programa foi alvo de duras críticas das associações da categoria, que refutavam o argumento do governo sobre a falta de médicos no país. Para eles, a carência de mínimas condições de trabalho era o que evitava a ida de profissionais para o interior. Uma das principais controversas era a parceria estabelecida com Cuba para o preenchimento das vagas remanescentes do programa.

Além das críticas em relação à cooperação assinada com Cuba, a atuação de médicos estrangeiros sem a revalidação do diploma, como estabeleceu o decreto do programa, e a não exigência de conhecimentos elevados da língua portuguesa eram vistos como um problema.

Um jovem caminha em frente a um posto de saúde
Programa Mais Médicos pelo Brasil terá investimento de R$ 712 milhões somente em 2023Foto: Luis Lima Jr/Fotoarena/IMAGO

Parceria com Cuba

Em agosto de 2013, desembarcaram os primeiros médicos cubanos no país, sob protestos em algumas cidades. Uma parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) permitiu que eles fossem selecionados para as vagas do Mais Médicos que não haviam sido escolhidas por brasileiros e estrangeiros.

Em seu lançamento, o programa pagava aos profissionais R$ 10 mil por mês. Pela parceria firmada com Cuba, o pagamento era realizado ao governo cubano, que transferia apenas uma pequena parte do valor aos médicos que atuavam no Brasil. Os profissionais do programa recebiam ainda uma ajuda de custo para moradia e despesas básicas, pagas pelas prefeituras, e os cubanos, uma passagem anual de ida e volta para Cuba, prevista no contrato assinado com Havana.

Incialmente, os profissionais inscritos podiam permanecer apenas três anos no programa. Em abril de 2016, o governo possibilitou a prorrogação dos contratos por mais três anos. A mudança beneficiou 71% dos profissionais que precisariam ser substituídos até o final daquele ano.

Reformulação no governo Temer

Com o impeachment de Dilma, o governo de Michel Temer anunciou em novembro de 2016 que reduziria o número de cubanos no Mais Médicos. Os profissionais da ilha preenchiam na época mais de 11,4 mil vagas. Para isso, o Ministério da Saúde derrubou a barreira na medida provisória que impedia a contratação de médicos formados em países que tivessem menos de 1,8 profissional para cada mil habitantes.

No final de novembro de 2017, o Supremo Tribunal Federal encerrou ainda a batalha judicial sobre o programa, validando as regras do Mais Médicos. Duas ações, apresentadas pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Universitários Regulamentados (CNTU), questionavam o modelo de cooperação com Cuba e a dispensa da revalidação do diploma.

Mulher sentada em um banco, com o filho no colo
A médica cubana Yainet La Rosa Bermudez ficou sem emprego após o fim da cooperação com Cuba, depois da eleição de Jair BolsonaroFoto: DW/N. Pontes

Balanço de cinco anos

Em julho de 2018, o Mais Médicos completou cinco anos, e seus resultados positivos foram reconhecidos por diversos estudos. Na época, segundo o Ministério da Saúde, o programa contava com 16,7 mil médicos em atividade, sendo 8,5 mil cubanos, 4,9 mil brasileiros formados no Brasil e 3,2 mil graduados no exterior.

Estudos apontavam como destaques do programa o aumento da cobertura de atenção básica, além do crescimento no número de consultas em programas da saúde da família e a redução de internações evitáveis de 44,9% para 41,2%.

Apesar dos bons resultados, o programa sofreu um revés em novembro de 2018. Após a eleição de Jair Bolsonaro e declarações do então presidente eleito, que comparou a atuação de médicos cubanos no programa com trabalho escravo e criticou a qualidade do trabalho destes profissionais, Cuba anunciou que estava se retirando do programa.

Na época, 8,3 mil dos 18,3 mil médicos do programa eram cubanos, 45% do total. Eles atuavam em todos os estados e no Distrito Federal, e ocupam vagas que não puderam ser preenchidas por brasileiros.

Programa na UTI no governo Bolsonaro

Depois da saída dos cubanos, dois editais foram lançados pelo Ministério da Saúde ainda em 2018 para ocupar as vagas. No início do ano seguinte, o governo chegou a anunciar que todas as vagas disponíveis desde o fim do convênio com Havana foram preenchidas por profissionais brasileiros.

Em julho de 2019, porém, um levantamento da DW Brasil mostrou que o país tinha 2.149 vagas do programa não preenchidas, o que equivalia a 12% do total. Das posições ociosas, 2.042 estavam em regiões que não foram contempladas pelo único edital lançado naquele ano.

Em agosto de 2019, para substituir o Mais Médicos, o governo Bolsonaro lançou o Médicos pelo Brasil. Suas vagas eram destinadas exclusivamente a brasileiros ou a profissionais estrangeiros com diploma revalidado no Brasil. Ele previa ainda a contratação por meio da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e estipulava quatro níveis salariais com progressão a cada três anos, além de gratificações e bônus dependendo dos locais de atuação e permanência no programa. Assim, o salário poderia chegar a R$ 31 mil.

No entanto, o programa da gestão Bolsonaro voltado a estruturar a carreira médica federal demorou a sair do papel e os primeiros profissionais, pouco mais de 500, foram convocados apenas em abril de 2022. Com a primeira convocação, o Ministério da Saúde estimava que em três anos pudesse encerrar gradativamente Mais Médicos e contratar até 18 mil médicos.

Desta maneira, ambos os programas continuaram existindo e com a eleição de Lula, no ano passado, o Mais Médicos voltou a ganhar forças.