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PolíticaCabo Verde

"Vladimir Putin não tem motivos para ir a Cabo Verde"

17 de setembro de 2023

Ulisses Correia e Silva reconhece que Vladimir Putin, sobre quem recai um mandado de captura internacional, não tem motivos para ir a Cabo Verde, mas lembra que o país faz parte do Tribunal Penal Internacional.

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Ulisses Correia e Silva
Ulisses Correia e Silva, primeiro-ministro de Cabo VerdeFoto: Hannah McKay/REUTERS

Cabo Verde reafirma a sua posição de condenação à invasão russa da Ucrânia. Segundo o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, esta postura "continua a ser clara".

Em entrevista à DW, em Lisboa, o chefe do executivo cabo-verdiano defende a via diplomática para a resolução do conflito entre a Rússia e a Ucrânia que se arrasta há mais de ano e meio.  

O primeiro-ministro cabo-verdiano reconhece que o líder russo, Vladimir Putin, sobre quem recai um mandado de captura internacional devido a crimes de guerra contra a Ucrânia, não tem motivos para ir a Cabo Verde. Mas, mesmo desvalorizando tal cenário, lembra que Cabo Verde faz parte do Tribunal Penal Internacional.

Ulisses Correia e Silva, que escalou a capital portuguesa na última semana, está esta segunda-feira (18.09) nos EUA para participar na 78ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas. 

DW África: Quais são os grandes temas, no âmbito da política externa, que Cabo Verde vai defender nesta Assembleia Geral das Nações Unidas?

Ulisses Correia e Silva (ULS): Os grandes temas da nossa comunicação vão centrar-se necessariamente no contexto internacional, que continua ainda sob a capa de crises. Ainda o mundo está a viver consequências de várias crises, os efeitos da crise gerada pela pandemia, também a guerra na Ucrânia com o seu impacto inflacionista, ainda de incertezas. Além dos conflitos, os golpes de Estado que têm estado a acontecer em África, o quadro da instabilidade, o que demonstra que o foco na paz, na segurança, é importante e continua a ser uma prioridade da Organização das Nações Unidas (ONU).

A ONU não é mais do que a constituição dos seus Estados membros. Questões que têm que ver com o desenvolvimento, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), as alterações climáticas, a ação climática para mitigar os efeitos e adaptar os países também estarão no centro das atenções. E no caso de Cabo Verde, particularmente, a problemática dos SIDS. Nós somos um SIDS (Small Island Developing States – Pequeno Estado Insular em Desenvolvimento) e temos necessidade de fazer valer as especificidades dos SIDS relativamente a questões que têm a ver com financiamento.

DW África: Falou de golpes de Estado em África, que agravam o clima de instabilidade política e social. Sendo Cabo Verde uma das democracias exemplares no continente, tem uma proposta concreta que ajude os países africanos a seguirem outro rumo que não ponha em causa o esforço de desenvolvimento?

UCS: Saiu recentemente uma sondagem do Afrobarómetro que diz claramente que grande parte (2/3) dos africanos prefere a democracia, mas não estão contentes com a democracia. Isso quer dizer que só podemos resolver isso com mais democracia, mais e melhor governança, forte combate à corrupção, empoderamento dos cidadãos para que, de facto, haja essa convergência: entre o pensam os cidadãos e aquilo que os poderes políticos não estão a conseguir fazer para que haja um ambiente de estabilidade. A resposta tem de ser, de facto, construir condições institucionais e ambiente de estabilidade e confiança.

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DW África: As alterações climáticas constituem igualmente um problema para a Humanidade. Cabo Verde leva também propostas concretas para a cimeira sobre o ambiente e desenvolvimento sustentável que tem lugar em Nova Iorque, no âmbito desta Assembleia Geral das ONU?

UCS: Temos as nossas metas. Queremos reforçar a aceleração da transição energética, atingir mais de 50 por cento da penetração de energias renováveis até 2030. Temos a ambição de conseguirmos cem por cento de veículos movidos a eletricidade até 2050. Queremos reforçar o nexo entre água e energia, porque Cabo Verde quer reduzir a dependência de fontes subterrâneas de água. Este ano está a chover bem, graças a Deus, mas o normal é termos problemas com as chuvas. E para reforçarmos a nossa sustentabilidade relativamente à produção de água, queremos de facto ter como meta um quadro de financiamento que seja adequado.

DW África: A propósito da guerra que se vive na Europa, como estão as relações com a Rússia após a ministra da Justiça cabo-verdiana ter dito que Cabo Verde estaria disposto a prender Vladimir Putin caso este pisasse o arquipélago?

UCS: Cabo Verde faz parte do Tribunal Penal Internacional (TPI) e orientamo-nos pelas normas gerais. Sobre a nossa relação com a Rússia nesta situação de guerra, fomos claros e continuamos a ser claros. Condenamos a invasão e alertámos que a via para resolver os conflitos tem de ser a diplomática. Não é a via de ocupação de territórios, de ocupação de soberanias, que resolve o problema de eventuais conflitos que existam entre as nações. Por isso, a nossa posição é clara, pela democracia, pela defesa dos direitos dos povos à sua autodeterminação, à sua independência e ao seu território.

DW África: Uma possível detenção de Putin seria da responsabilidade da justiça cabo-verdiana?

UCS: Ora, traçam-se cenários que não vão acontecer. Putin não tem motivos para ir a Cabo Verde e não vemos que isso possa ser um cenário plausível.

Vladimir Putin
"Putin não tem motivos para ir a Cabo Verde e não vemos que isso possa ser um cenário plausível", diz Correia e SilvaFoto: Alexander Kazakov/AP Photo/picture alliance

DW África: Como olha para a situação de catástrofe em Marrocos depois do terramoto e, face a isso, a um certo silêncio por parte da CPLP, considerando que Marrocos quer ser país observador? Não faltam aqui mais ações de solidariedade?

UCS: Quanto a Cabo Verde, manifestámos a nossa solidariedade de uma forma clara relativamente às vítimas, endereçando cartas de condolência ao primeiro-ministro de Marrocos. A nível da CPLP creio que o sentimento é o mesmo.

DW África: Mas há um silêncio, apesar do país não ter ainda o estatuto de observador….

UCS: Não acompanhei. Não sei se a CPLP, enquanto organização, se pronunciou, mas não vejo que haja motivo para não haver solidariedade.

DW África: Na sua perspetiva, a mobilidade no seio da CPLP está a funcionar? No caso de Cabo Verde, ou Angola e São Tomé e Príncipe, a saída de quadros qualificados não terá mais a ver com o crescimento da pobreza e falta de oportunidades?

UCS: Não. Nós temos um acordo de mobilidade, que é uma construção. Depois de aprovarmos o acordo, o segundo instrumento é o de adesão para a operacionalização do acordo. Os países têm que fazer a adequação, nomeadamente das suas legislações, para permitir a sua operacionalização. E é um bom princípio para que efetivamente a Comunidade se constitua como uma comunidade dos povos.

A nível da mobilidade laboral, claro que sempre houve procura por parte de cidadãos para trabalharem fora dos seus países. Estou a falar de cidadãos dos [outros] países de língua portuguesa trabalharem em Portugal. Mas há cidadãos de Portugal que procuram o Reino Unido ou a França, por exemplo. No caso de Cabo Verde, somos um país estruturalmente ligado à emigração. O que é que tem que ser feito? Primeiro, não é barrar a entrada ou a saída dos jovens à procura de oportunidades, mas sim criar condições para que essa emigração ou mobilidade laboral seja organizada e estruturada. Que garanta direitos laborais a nível da segurança social, da assistência médica e medicamentosa e a nível da igualdade de condições no trabalho para que essa mobilidade seja feita de uma forma organizada.

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É por isso que celebramos um acordo com Portugal nesse sentido. Creio que Moçambique também está a celebrar [um acordo do género]. Esses fluxos são fluxos que vão e regressam e são depois compensados. Aliás, hoje temos alguns elementos da nossa comunidade já mais madura, até com muito mais experiência, a regressar para Cabo Verde, a querer investir. Há também um fenómeno de retorno.

DW África: Mas, quando se trata de quadros qualificados a saírem do país, isso constitui um problema para o próprio processo de desenvolvimento de Cabo Verde, que precisa de recursos humanos…

UCS: É um problema possível de ser gerido. Lembro que no Parlamento colocámos esse assunto [em discussão]. Uma coisa é ver os números da procura de emigração para o trabalho. E são números globais. Outra coisa é ver dentro desse número quais são, de facto, aqueles que são jovens e que têm qualificações. Ainda não conseguimos ter essa discriminação. Então, não se pode, a partir desse número, dizer que há jovens qualificados ou que há uma massificação de jovens a procurar emprego em Portugal, quando nesse grupo temos camionistas, temos pessoas que saem para trabalhar nas obras ou no sistema de transportes. Portanto, há uma diversidade de situações. Ainda não temos dados que possam, de facto, tipificar.

DW África: Há um plano ou estratégia que visa mobilizar o investimento do empresariado cabo-verdiano na diáspora, depois do Presidente José Maria Neves ter afirmado que "a Nação inquieta-se e indigna-se com o inegável retrocesso em setores vitais" da economia?

UCS: Temos estado a implementar. Aprovámos recentemente o estatuto do investidor emigrante, que está em fase de operacionalização, nomeadamente com plataforma eletrónica, para permitir que a burocracia não seja um entrave. Por exemplo, o certificado de investidor emigrante pode ser acedido através da plataforma eletrónica e todo o procedimento ser ali executado. Já temos casos de investimentos e queremos não só atrair o investimento produtivo mas atrair também competências, capacidades e inovação, aquilo que a nossa diáspora já conseguiu acumular em diversas profissões para aplicar em Cabo Verde.

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